Arquivo mensal: Janeiro 2021

Porto Trombetas na Academia – 1ª parte *

        É preciso também conhecer a vila de Porto Trombetas no municpio de Oriximiná, e a empresa mineradora a partir do saber registrado nas academias paraenses, para se buscar entender as razões da não integração regional. Mas, também é necessário ter uma ideia antes de tudo, do porte do empreendimento realizado na Vila de Porto Trombetas, pela Mineração Rio do Norte S A.

        Trata-se da maior produtora de bauxita das Américas e terceira maior mina de bauxita do mundo (a primeira está na Austrália e a segunda na Guiné). Tanto a mina quanto as instalações de beneficiamento, a ferrovia e o porto, têm capacidade para produzir 8 milhões de toneladas de bauxita/ano[1]. Ou seja, estamos diante de um projeto de grandes dimensões. Quando se recorda que, até a década de 1960, as pequenas cidades e povoados da região – Oriximiná, Faro e Terra Santa – dormitavam num lento e isolado estilo ribeirinho de vida, pode-se desde já imaginar o quanto a chegada da MRN marcou a história da região e influiu definitivamente na vida daquela população: antes e depois da MRN, esta é uma periodização inquestionável para a história contemporânea do Trombetas.[2]

        Hoje a MRN oscila entre a terceira, quarta, quinta volta para a terceira posição de maior empresa paraense, com sede em Oriximiná, apesar de constar nos seus documentos oficiais apenas a grafia “Porto Trombetas”, em flagrante marco discriminatório para Oriximiná, movimentando ativos da ordem de milhões de dólares. O primeiro navio partiu em 13 de agosto de 1979, data comemorada por muitos até hoje, com grande orgulho e assim deve ser pois a serra nativa não vale mais do que uma bela paisagem. Em outubro de 1988, o milésimo embarque foi efetuado no Porto Trombetas: mil navios carregados de bauxita haviam sulcado aquelas águas amazônicas nos 10 anos anteriores. Muitos deles com quase 60 mil toneladas de minério em seus porões… Nesses dez anos,[3] a vida dos povos ribeirinhos, a montante e a jusante de Porto Trombetas (localizado à margem direita do rio de mesmo nome, a 80 kilometros da cidade paraense de Oriximiná), sentiu inevitavelmente a presença desse fator dinâmico. A natureza – lagos,igarapés e florestas – também sofreu o impacto. [4]

        E das consequências deste impacto que a sociedade civil e a classe política de Oriximiná hoje cuidam de vaga, ou pensam que estão fazendo algo diferente. Foram anos de desgrenhamento das relações naturais e nativas com o meio ambiente que hoje não podem ser sanadas com meia dúzia de reuniões, mostras de “filmes” e “slides” já manjados pelo público que a cada denúncia nos jornais se reúnem para “assistir” ao pessoal da MRN, que de Porto Trombetas se abala para apagar mais uma fogueira nesse incêndio inevitável de fogo cidadão.

        Não dá para tratar das mazelas sociais originadas pelas ações da mineradora há quase duas décadas em agendas pontuais, com EIA-RIMAS[5] planejados, executados e fiscalizados pela própria MRN, como é o caso dos agora problemáticos desdobramentos da exploração das minas no platô Almeidas e Aviso.

        Na tese proposta para doutoramento de Victor Leonardi,[6] estão listados o que seriam as discussões dos “principais problemas desta bacia hidrográfica do Baixo Trombetas”, quais sejam apontados por três principais razões de ordem acadêmica:

  1. porque tanto a Reserva Biológica do Trombetas (Projeto Quelônios), como a Floresta Nacional de Saracá-Taquera, situam-se naquele trecho de rio por nós delimitado, entre Oriximiná e a Cachoeira Porteira;
  • porque o impacto ambiental provocado pela mineração de bauxita afetou, direta ou indiretamente, todo o território no qual essas duas áreas reservadas estão situadas;
  • porque ambas só cumprem hoje seu papel, de fato, graças ao apoio dado pela MRN: infraestrutura, transporte…

      Nesse segmento do rio (aproximadamente 120 quilômetros) está situada uma Floresta Nacional de Saracá-Taquera, uma reserva biológica que são mantidas pela MRN. Os problemas ambientais da área que tem como epicentro o Porto Trombetas são muitos e já foram detectados por vários estudiosos, inclusive, pela Professora de Direito Ambiental, hoje morando no Chile, onde faz a defesa da tese sobre a “Soberania Partilhada da Amazônia”, Mestra Maria do Socorro de Almeida Flores, cujo livro tese é O Meio Ambiente e a Proteção dos Recursos Florestais no Pará: uma abordagem jurídica[7], que assim se manifestou: Dentre as Unidades de Conservação federais existentes no território paraense, “criadas ao arrepio do governo do Pará, duas delas geram problemas. Uma é a Reserva Biológica do Trombetas, com 3.850 km2. Situada na margem esquerda do mesmo rio, expulsou da convivência legal com a floresta centenas de famílias que bem poderiam coletar castanha-do-pará (Bertolethia Excelsa), abundante na região. Isso obriga a que as populações quilombas do Trombetas…invadam a área, façam a coleta ilegal para os “regatões” que revendem o produto para os comerciantes exportadores de Oriximiná e Óbidos. Outra, a Floresta Nacional de Saracá Taquera, na margem direita do Trombetas, protege reservas de bauxita da Mineração Rio do Norte (ligada ao grupo CVRD) e afeta a vida de centenas de rurícolas do lago do Sapucuá e igarapés Matapi e Currais, zonas de agricultura, pastagens naturais e pecuária extensiva”[8] .

Segundo o Plano Diretor Ambiental desta vila – elaborado pela equipe dirigida pelo ambientalista inglês Oliver Henry Knowles, assessor de meio ambiente da MRN – há problemas desta natureza tanto no núcleo urbano-industrial e seus arredores, como no lago Batata,  nas margens da rodo-ferrovia e na mina Saracá.

 Além destes, há vários problemas regionais, cuja origem não se encontra na atividade mineradora: desmatamento – inúmeras clareiras – nas margens do rio Trombetas e lago do Batata; extração ilegal de madeiras das matas – dezenas de quilômetros abertos para caminhões de toras – invasão de posseiros provenientes dos rios e ao longo dos novos caminhos, como a estrada Porto Trombetas/Terra Santa.[9]

        Foram listados 33 problemas ambientais no Plano Diretor da Vila de Porto Trombetas, dos quais foram destacados para a tese de doutoramento, a saber:

  1. a partir de 1979, foram jogadas cerca de 10 milhões de toneladas de lama vermelha, proveniente da lavagem da bauxita, no lago Batata, um dos inúmeros lagos que compõem o ecossistema local. A recuperação das áreas assoreadas – cerca de 220 hectares – está em andamento, atualmente, e o lançamento da lama foi transferido para lagoas de decantação criadas no platô da mina;
  • a lama vermelha da lavagem da bauxita foi jogada também nos igarapés Caranã (cerca de 90 hectares), Água Fria (5 hectares) e Fundão (3 hectares). Várias medidas foram adotadas pela empresa para recuperar essas áreas: projeto de coleta e destino final dos efluentes atualmente lançados; revegetação e aplicação de hidrossemeadura; complementação da hidrossemeadura com plantio de espécies nativas;
  • poluição do rio Trombetas com lama, lixo e óleo, numa área de 200 hectares aproximadamente. Normas e regulamentos foram adotados para dejeção de resíduos por parte de navios, barcos e empreiteiras;
  • despejo de óleo das oficinas e canteiros. Medidas mitigadoras em andamento, ou recomendadas: caixas de separação de óleo; coleta e possível queima em cadeiras.
  • Emissão de poeira vermelha e g ases na área industrial, nos primeiros anos. Depois passaram a fazer o tratamento dos gases do forno de secagem de bauxita.
  • Formação de voçorocas e assoreamento ao longo da rodo-ferrovia: cerca de 50 mil metros cúbicos erodidos (em 20 hectares) nos quilômetros25 e 26… (lista diversos lugares onde ocorreram as voçorocas).
  • Espaçamento e transbordamento das águas pluviais no platô lavrado (650 hectares) na mina Saracá.
  • Deslizamento e formação de voçoroca nas encostas do platô lavrado na mina Saracá (cerca de 100 mil metros cúbicos erodidos)

           E assim, Victor Leonardi contribui para essa necessária discussão das questões do Vale do Trombetas, ainda que não tenhamos consultado a obra principal, mas, finalizando com ele mesmo com base nas entrevistas – com diretores da MRN, engenheiros, técnicos e operários – e na pesquisa de campo que iremos fazer, em 1994 e 1995, em Porto Trombetas e seus arredores; mais as leituras do material que será fotocopiado e microfilmado em diferentes bibliotecas e arquivos – Biblioteca da Mineração Rio do Norte, Biblioteca da Companhia Vale do Rio Doce, Biblioteca do Museu Goeldi, Biblioteca da Universidade Federal do Pará – estaremos em condições de escrever uma história econômica e ambiental do Vale do Rio Trombetas. A redação definitiva deve estar concluída no primeiro semestre de 1996.[10]

* excerto de capítulo sobre Porto Trombetas do livro Trombetas, de João Bosco Almeida, ainda na gráfica aguardando publicação


[1] A projeção para ano 2003 é de 16 milhões de tonelada ano. N A

[2] Victor Leonardi, pág. 14

[3] Hoje muito mais, vez que os “dez anos” foram contados na propositura da tese, ou seja, no ano de 1994. N A

[4] Victor Leonardi, ob. citada pág.14

[5] Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental

[6] Obra citada, pág. 17

[7] O livro Tese do Mestrado na UFPA, em 1999, foi lançado em Belém e está disponível na biblioteca da Fundação Ferreira de Almeida, em Oriximiná.

[8] Apud Maria do Socorro  de Almeida Flores, in obra citada, págs. 159/60

[9] Victor Leonardi, pág. 18

[10] Este autor vem tentando encontrar a publicação prometida por Victor Leonardi, até agora sem sucesso, em várias bibliotecas.

A Cerâmica Arqueológica de Oriximiná *

         Seguindo um velho ditado popular na região que diz: “na terra preta tem careta”, o inglês Peter Paul Hilbert e sua mulher Eva Hilbert passaram anos pesquisando e catalogando as “caretas” encontradas na região de Oriximiná na década de 50. De volta à Europa, a datação científica informa a época provável de 5.000 antes de Cristo para sua origem. Mais uma civilização desconhecida na Amazônia, mais uma área de pesquisa histórica à espera dos arqueólogos, mais uma cerâmica que precisa ser conhecida pelos nativos da região, e porque não dizer, outro potencial turístico a ser divulgado.

         Peter Hilbert foi o primeiro e último a estudar a cerâmica dos “Konduri” como foi batizada por outro estrangeiro, o alemão Curt Nimuendaju, que a partir de 1923 estudou detalhadamente a cerâmica dos Tapajó, na cidade de Santarém. Frederico Barata, em A Arte Oleira dos Tapajó, também fez referências aos achados arqueológicos na região do Tapajós e Trombetas, no século passado.

         Lemos em Tupaiulândia, obra prima de Paulo Rodrigues dos Santos, a aparente casualidade dos achados de “caretas” nas ruas de Santarém, o que despertou a curiosidade dos habitantes e especialmente do antropólogo alemão que já havia se radicado nas matas do Mato Grosso, para estudar os Guarani, inclusive tendo adotado o apelido do tuxaua da tribo, Nimuendaju, para substituir o sobrenome Unkel.

         Os estudos de Nimuendaju publicados na Europa são determinantes para a vinda do casal inglês para região de Oriximiná, no longínquo ano de 1952, especialmente no vale dos rios Trombetas e Jamundá, como ele chamou para o atual Nhamundá, chegando inclusive a pesquisar também em Terra Santa e Faro.

         É material de pesquisa indispensável para os estudiosos da região. Há uma empresa mineradora que assumiu encargos legais de patrocinar a retirada desse material arqueológico por pessoas habilitadas antes de descapar a floresta e sugar o solo vermelho da bauxita. O  conhecimento destes elementos históricos pela população e classe estudantil deve ser móvel suficiente para estimular a pesquisa e também fiscalizar as práticas salvadoras do espólio cultural dos Konduris.

         Elemento produzido pelos antepassados da região, a cerâmica arqueológica de Oriximiná vem integrar a categoria diferenciadora e identificadora culturalmente da região do baixo amazonas paraense. A Fundação Ferreira de Almeida, OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) atuante em Oriximiná, iniciou ciclo de palestras sobre A Cerâmica Konduri nas escolas da cidade, despertando a curiosidade dos professores e interesse dos alunos na busca de suas origens. Como resultado desse trabalho, Fátima Guerreiro, professora do Sapucuá, lago natural margeado pela Serra Cunuri, descobriu uma descendente da tribo dos Cunurizes que ainda sabe manejar o barro com cauixi – desengordurante natural -, e está organizando um Festival Konduri para o mês de junho próximo.

Faltam mais estudos e motivações aos nativos para se informar do conhecimento necessário das suas raízes, e a partir dessa matriz do saber local estruturar as bases da defesa do desenvolvimento regional. Mas, a iniciativa da Fundação Ferreira de Almeida e da Prof. Fátima, devem ser apoiadas pela Prefeitura Municipal de Oriximiná através de sua Secretaria de Cultura, na pessoa de outro não menos devotado pelas raízes de Oriximiná como é o Secretário Adélcio Correia Júnior.

         É digno de registro um trecho extraído da obra do Professor Paulo Rodrigues dos Santos, para reforçar a tese da arqueologia regional desconhecida onde pairam as tibiezas e ignorâncias das lideranças em resgatar nossas raízes como forma de valorização da nossa gente. “…outro colecionador foi Artur Liebold, comerciante alemão da cidade, que chegou a reunir vários espécimes, não somente dos tapajós, como de outros índios do Amazonas. Sua viúva vendeu a coleção ao Dr. Ubirajara Bentes de Souza que, com carinho e incrível paciência, continuou a aumentar a coleção, sendo hoje (1965) o maior possuidor de cerâmica e objetos indígenas de várias procedências. Verdadeiro museu valendo muitos milhões de cruzeiros…” (Tupaiulândia, 2ª ed. Belém,1972 ,pág. 320)

         Foi com essa carga de informações e detalhamento que Hilbert, municiado pelas instituições estrangeiras em convênio com o Museu Paraense Emílio Goeldi, passou dois anos coletando material, estudando o meio de vida da região e registrando para a posteridade em seu A Cerâmica Arqueológica da Região de Oriximiná, (Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, nº 09, Instituto de Antropologia do Pará, 1955), mapas, desenhos, e suas conclusões sobre mais esse elemento cultural de uma civilização amazônica.

*artigo publicado em O Liberal em março do ano 2000