AS GENTES PENSAM DIFERENTE

(capítulo do livro Kondurilândia – Ideias e registros na gênese de uma nova unidade federativa no oeste do Pará, publicado em abril do ano 2.000)

Nas minhas andanças por este enorme Brasil diferente, já vi bastante um pouco de tudo. De Brasília fui às Minas Gerais, senti a garoa paulista, o frio do sul catarinense, o vento da brisa pernambucana no cabo de Santo Agostinho bem como as areias da praia de Iracema no Ceará. Retornando a Belém, Santarém e Oriximiná nas frequentes viagens nada faz ceder o sentimento nativo da terra onde aprendi as virtudes básicas do amor e da humilde caminhada: aprender a aprender para ensinar o aprendido.

Em cada lugar, as gentes e falas diferentes fazem o Brasil ser essa miscigenação de idéias e ações que atemorizam o mundo. Sem rígidos rituais no caráter aprendemos fácil e emulamos qualquer tecnologia para dela evoluir na produtividade. Não é a toa que muitas empresas multinacionais têm executivos brasileiros nos principais cargos, pela facilidade de assimilar os ensinamentos e traduzir em resultados.

Daí ser imperioso nossa agregação na matriz diferencial que move o resto do Brasil. No planalto central sopra um ar condicionado permanente que enrola na rede qualquer amazônida. Mas, lá também somos brasileiros, confundidos com “paraense do leste”. Fala e modos diferentes denunciam de pronto a origem, a cultura e o ideal de vida e como deles, podemos gerar riquezas e qualquer parte desta federação.

É orgulho e necessidade. Vincado na forja da identidade cultural, nunca negamos nossas histórias de Oriximiná na infância e Santarém na juventude, para aqueles que gostam de conversar e saber das coisas da vida. Foi assim que aprendemos a aprender um pouco de tudo que é necessário para forjar um projeto de vida. E neste plano há sempre espaço para pensar a terra querida de Uraxá.

E isto nos faz brasileiros. Em nada vamos perder ao Pará ou do Pará. Em nada vamos diminuir no patrimônio e nem na verve cultural, nas artes ou seja lá em que manifestação da vida local, porque antes de sermos os paraenses ou outra naturalidadade de origem, nos identificamos em primeiro lugar como brasileiros nativos.

Por isso, não há mais argumentos emocionais que caibam nessa discussão separatista. Se eles vierem, como sempre virão, precisamos estar aptos a rechaçá-los da discussão, dando vezo às análises mais apuradas como é a geo-econômica, a identificação cultural, a imaginação da região povoada de particularidades e coisas bem próximas do povo vivente. Ocorre que agora, podem ser outros os motivos que nos querem separados.

Ainda lembro que o senador Passarinho, paraense por adoção, com umbigo enterrado no Acre, impingiu a expressão “falta de paraensismo” para aqueles que durante a constituinte articulavam sobre a autonomia do novo Estado.

Na época fiz artigo rebatendo tal tese emotiva e prenhe de inverdades históricas. Fi-lo ler a partir das páginas de O Liberal a questão da separação lusitana, a quando do nascimento do nosso país. Teria sido falta de lusitanismo quando D. Pedro “gritou” o Ipiranga?[1]

Atualmente, o governador roda a fita repetindo o epíteto da logomarca política por onde foi eleito para não o permitir praticar nenhum ato que faça a divisão do Pará. Isso é para aqueles que acreditam em papai Noel.

Ora, excelência, ah se todas as promessas feitas em campanha fossem cumpridas? Sim, não estaríamos gastando verve nem tempo para interpretar a vontade das gentes em sair do julgo de Belém. Muito pouco se teria inventado para não pisar na lama das estradas que teimam em ligar lugar nenhum ao nada neste interland continental do estado ainda paraense.

Por que? Porque se busca autonomia quando se identifica um quadro carente. Isso, nós somos como um sistema orgânico onde na falta das matérias primas essenciais, se instalada o estado de necessidade.

E de necessidade nós sabemos muito bem.

*

Das várzeas temos muito que pensar e falar. Você, caro leitor, já viu alguém registrar várzea no Registro Imobiliário e com tal registro gravar uma garantia para receber empréstimo bancário.

Para o sistema legal, várzea não pode ser considerado imóvel. Os doutos dizem que não se pode medir as distâncias que se apresentam diversas a cada ano. Os romanos resolveram esse problema com o instituto civil da acessão natural.  Elemento essencial da topografia exigida para os memoriais do INCRA ou ITERPA, não será o tamanho da área impeditivo na regularização da várzea. Talvez aqui também esteja forte o vírus da omissis ativus.

Legalmente são terras pertencentes à União, quando estão em ilhotas, ou agregados de terra firme ou em áreas do Estado, o ITERPA é competente para sua regularização. O problema é que elas vêm e vão ao sabor das cheias, mas o tempo fora d’água é suficiente para o registro. O que falta é vontade política de resolver a questão.

Mas, se nós pudéssemos dirigir nosso destino com autonomia, será que já não teríamos feito valer um critério justo para registrar e valorizar nossas várzeas?

Vejam os holandeses. Eles são mais ou menos inteligentes? Não se admite esse o critério para a diferença, mas, será que se eles dependessem de um governo tão longínquo quanto nós eles já teriam resolvido a questão agrária deles? É o tamanho da área que importa? Quanto menor, melhor a administração e o controle, requisitos básicos de qualquer governo.

Bem, vejamos o que me disse um político na época da Constituinte do ano de 1988. Naquele tempo, parece até bíblico, disse-me um deputado: “Não adianta fazer muito barulho, porque senão o governador vai brecar os repasses para a região”. Mas, continuou o parlamentar, “vamos ver se conseguimos incluir uma cláusula nas disposições transitórias para um futuro plebiscito, ou coisa parecida. Assim, estaríamos garantindo essa disputa para mais tarde, quem sabe com mais argumentos e força política”. E assim foi. Lá eles conseguiram votar tal dispositivo, que agora permite a consulta popular.

Nesse meio tempo, era 1988, estávamos em Brasília representando a Associação Comercial de Oriximiná, com colegas de Santarém e Óbidos, além de meus companheiros de Oriximiná. Também nós sentimos as divergências entre nossa chamada bancada no almoço que fizemos com eles.

Lembro ainda que o então “prefeito” do Congresso Nacional, Jorge Arbage, nos recebeu no seu gabinete e afirmou olhando pela janela que dava para o chamado “fogo da pátria”.

“Ali se gasta uma fortuna diária para manter acessa a chama da pátria. Sim, porque o sistema é alimentado por gás de cozinha…” Fiquei paralisado ao ver dinheiro pegando fogo!

Mas, voltemos às várzeas…

Elas são boa terra, como aquela dos chineses para o plantio do arroz. Nelas,nossos antepassados indígenas colhiam o arroz nativo para dele fazer seus banquetes. Já disse isso em outros escritos tirados dos registros do Ferreira Penna[2]. Hoje, os arrozais são vastos e a cada cheia ficam alimentandos os patos e marrecos.

Ainda sobre as terras que margeiam os rios do baixo-amazonas na seca e nas cheias sustentam o igapó, os pastos de búfalos, diz-se que são férteis como as do rio Nilo. Lá crescem o papiro, aqui o muri e a canarana, alimentos natural do gado, riqueza de qualquer ribeirinho.

Uma vez um veterinário da UFRJ, Dr. Sebastião, dizia a meu pai que eram os minerais presentes nas canaranas[3] que brotam às margens do rio Cachoery que davam aquele peso e cor ótimas ao bovinos.

Assim, nossa vacas nunca ficam loucas. Isso é biodiversidade na melhor forma ecológica de aproveitamento para a globalização. Gado vegetariano, diferente dos bois de lá comedores de ração animal.


[1] PAROESTE – Falta de Paraensismo? . veja texto integral no apêndice

[2] Ferreira Penna, Domingos Sávio, in Viagem à Região Ocidental da Província do Pará, 1852

[3] tipo de capim muito nutritivo e de bom apetite para o gado da região

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