Antes de Uruá Tapera

AOS TROMBETISTAS AMBULANTES DA TERRA
AMAZÔNICA, QUE DESCENDO COMO AS ÁGUAS
PARA O MAR, AINDA ASSIM,
DEIXAM O BRADO DA VIDA
VINCADO NOS BARRANCOS E FALAS DAS GENTES
EM BUSCA DA UNIÃO DE FORÇAS NATURAIS ( trecho do livro TROMBETAS, obra de João Bosco Almeida, aguardando orçamento na Gráfica Andrade, em Oxa)

            Para melhor entender a região do entorno do vale do rio Trombetas, onde se acha instalada presentemente a Vila de Porto Trombetas e inserto o empreendimento  extrativo-industrial da bauxita, cumpre conhecer as características do lugar o qual se propõe a integração.

 O retorno ao passado, será possível através da leitura ipsi literis de um dos mais remotos registros científico sobre A região Ocidental da Província do Pará e alguns trechos do Projeto de Tese escrito para o Concurso de Seleção ao Programa Transdisciplinar de Doutoramento em Economia Ecológica, da Universidade de Brasília, de Vitor Leonardi. O material histórico se apresenta farto das dificuldades de então para acessar a região, tanto via registros em livros, mapas e banco de dados, como fisicamente, ou seja, guardadas as devidas proporções, talvez não se tenha evoluído muito nesta questão. Também se faz presente as riquezas naturais como o cacau, a castanha e madeira, como também as notas sobre os aspectos geográficos que são ainda hoje os pontos de referência para os viajantes, como o rio Caxueri, Igarapé do Sapucuá e lago do Mari-Apixi.[1]

 Desfaz-se, porém,  a idéia romântica de que antes se podia tudo fazer porque não era preciso autorização oficial para nada e nada impedia o andar dos navegantes pelas regiões. Não, sempre será difícil vencer as dificuldades do comodismo, da indolência e do status quo.

            O naturalista e etnólogo mineiro Domingos Soares Ferreira Penna[2], faz considerações gerais sobre a sua viagem além de detalhar minuciosamente aquilo que encontrou de mais relevante economicamente no trecho de Óbidos a Faro[3] e depois sobre os rios Trombetas e Jamundá.

            Achava-me em Óbidos desempenhando uma comissão reservada do governo provincial quando recebi da presidência instruções, recomendando-me que, sem prejuízo daquela comissão, procurasse conhecer e estudasse o estado e condições das localidades por onde tivesse de transitar, coligindo todos os dados estatísticos que interessassem à administração.

            Ainda que não tivesse viajado para região com  objetivo de estudar a economia e costumes da região, o cientista fez um trabalho estatístico notável de fevereiro a agosto do ano de 1868, revelando para o resto do império o quanto já se fazia na região, transformando os dados colhidos na primeira estatística regional, ponto de partida para quaisquer estudos mais aprofundados da economia do MERCOTROM.

Segue a metodologia de transcrever em itálico os trechos mais significativos do relatório, e aqui e ali, com a permissão dos leitores, serão feitos comentários julgados importantes.[4]

            Para satisfazer a esta nova exigência, pareceu-me indispensável ampliar muito mais o campo das minhas digressões, pois que seria extremamente incompleto qualquer trabalho que não compreendesse, ao menos, os pontos principais daquela região.

            Relata o naturalista que era estação chuvosa, mas apesar dessa condição desfavorável, não se intimidou.

            Não obstante, porém, a má estação, feito o meu programa, tratei de executa-lo. Aluguei uma pequena galeota com as acomodações apenas indispensáveis para viveres e para uma diminuta bagagem; mas, faltavam remeiros, e tal falta é o maior obstáculo com que tem de lutar quem empreende uma viagem pelo interior da Província, principalmente para lugares longínquos e quase desertos, onde os  recursos são nenhuns ou incertos.

             Tentei debalde contratar os remeiros necessários para a minha canoa, dirigindo-me ora a pescadores, ora a outros indivíduos sem ocupação regular, embora fortes e sadios. Todos, uns após outros, respondiam-me invariavelmente por estas palavras: -“não posso, patrão!”

            Nenhum deles explicava a razão desta recusa, – humilde, fria, mas inflexível e capaz de impacientar e desesperar a um homem que não conhecesse os hábitos e a indiferença desses indivíduos para o dinheiro.

            Não é possível resistir à imaginação de que ainda hoje há tal indiferença ao que está posto para a população. Como se as grandes questões não lhes afetassem a iludida vida pacata. Seria pelo mesmo motivo de dois séculos passados?

            Entretanto, se o subdelegado de polícia ou se o seu comandante (sendo ele guarda nacional) lhe ordenar que pegue o remo e salte para a canoa, não resta a menor dúvida de que o homem, que a todas as ofertas e promessas respondia – não posso ­– estará a bordo à hora da partida, vencendo ou não qualquer jornal.

            Tal é o viver do descendente do índio! Tal é o poderio absoluto que sobre ele exerce a autoridade no interior da Província.

            Prevenindo assim, deste costume a futuros viajantes, devo declarar que não recorri àquele expediente para obter a tripulação precisa; cheguei ao mesmo fim por outros meios, graças à benevolência e bons ofícios de alguns cavalheiros da cidade que conseguiram por mim tudo que me era necessário para a viagem.

            Enquanto estes arranjos se não concluíam, aproveitei o tempo de que dispunha para adiantar os trabalhos, percorrendo toda a povoação, estudando as suas condições atuais e consultado o arquivo municipal a fim de obter alguns esclarecimentos que me guiassem no estudo sobre os primeiros estabelecimentos do lugar.

            Procedi a iguais diligências, durante a viagem, em outras localidades das duas comarcas, reconhecendo com pezar que os arquivos municipais são extremamente pobre de documentos que interessem à história, porque os mais antigos foram subtraídos ou queimados durante o domínio da rebelião de 1835.

            Cabe refletir sobre o registro do arqueólogo mineiro-paraense ao se constatar que muito pouco mudou em todos esses anos. A rebelião que se refere é a Cabanagem que produziu na região oeste da Província estragos e desavenças com os chamados brasileiros versus português recheadas de incêndios, saques, prisões, mortes e fugas para o mato.

            As minhas digressões seriam dirigir-se em primeiro lugar à vila de  Faro, povoação isolada no extremo oeste da Província, e nunca descrita, nem conhecida na geografia do nosso País senão nominalmente e de um modo inexato.

            Dois caminhos se me indicava para ir ter àquela vila: o primeiro e o mais curto era seguir de Óbidos, Amazonas acima, alcançar o Paraná-Mirim do Bom Jardim, pelo qual subiria a encontrar o do Caldeirão, descendo pó este até o Jamundá que vai ter a Faro.

            O segundo caminho era entrar e subir um pouco pelo Trombetas até a foz do Jamundá (chamado ali Igarapé Sapucuá) subindo-se depois por este até aquela vila.

            Embora mais longo e extremamente enfadonho, preferi este último caminho, não só porque por ele me aproximava mais das fazendas de criação, existentes entre os lagos Sapucuá, Mariapixi e Algodoal[5], mas também porque, desejando reconhecer, ainda que por um ligeiro exeme o ponto da margem do Amazonas onde as cartas colocam a foz do Jamundá, convinha acompanhar este rio em grande extensão do seu curso inferior para melhor compreender o que havia de exato nessas cartas.

            Ferreira Penna finaliza esta apresentação dos escritos dizendo que escolheu o segundo caminho para Faro, passou viajando cerca de 842 milhas em 52 dias de viagem a remo com a seguinte advertência e convite:

            Agora o que convém é que outros corrijam o que está feito e continuem o que tenho iniciado.


[1] Grafias antigas do Cachoeri e Mariapixi. Aliás, é preciso estudar a lingüística e modos das falas regionalizadas para descobrir o significado dessas denominações. Qual o significado de Caxueri, Mari-Apixi nas línguas então faladas, deve ser um desafio lançado para a turma de letras e estudos amazônicos de Oriximiná e demais municípios da região.

[2] Obras Completas, Volume I, Conselho Estadual de Cultura, Belém, 1973, Grafisa, pág. 145

[3] Em 1869, ano da viagem, só havia esses dois municípios na região. N A

[4] O relatório foi divulgado no “Diário de Belém”, em 1869

[5] Algodoal é atual sede do município de Terra Santa. N A

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