Bauxita ou castanha?

28 de Março de 2002 – Hoje, os participantes da audiência pública no auditório da Câmara Municipal de Oriximiná poderão repetir Pilatos ao lavarem as mãos diante de uma cruel indagação florestal: bauxita ou castanha? Mina ou castanhal? Royalties ou safra? O que é melhor para a sociedade oriximinaense?

  A despeito de não receber a devida atenção em época apropriada, o assunto tem conotação de urgência e foi colocado na pauta de discussão quase que por acaso no início do mês, quando os relatórios foram distribuídos nos principais órgãos públicos da cidade até que chegou em escritórios na capital do estado. Nada obstante as razões de parte a parte, ainda é tempo de lembrar o passado, quando o interventor federal Magalhães Barata, no ano de 1931, decretou para os castanhais do Pará, o mesmo status das minas de ouro, o que levou o ilustre paraense Silvio Meira a batizar as castanhas de ouro vegetal e tentar uma solução salvadora para as centenárias florestas de castanhais do Sapucuá, no município de Oriximiná.

  Mas, essa lição histórica não foi apreendida pelos técnicos e gestores das empresas interessadas no ramo florestal e minerador. Hoje, a castanha seria descartável, de somenos importância a julgar pelas proposições no Relatório de Impacto Ambiental - Rima produzido por empresa estrangeira aos assuntos amazônicos, revelando mais ignorância do que saber técnico, ao sugerir ´compensação de coleta dos ouriços em fazendas de propriedade da Mineração Rio do Norte - MRN´.

  No que se refere ao direito de propriedade da mineradora, data do ano de 1989 o Decreto Presidencial nº 98.704, de 27.12.89, ressalvados que foram pelo texto legal. Diz o Art. 4º - ´Fica excluída do presente Decreto, a área de 1.884 ha, denominada Almeidas, de propriedade da Mineração Rio do Norte, conforme escritura pública de compra e venda e cessão de Direitos Hereditários e Meação lavrada no Cartório do 24º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, Livro número 2.809 - fls 72 D 20, em 25 de março de 1983.´

  Não se discute o direito de propriedade à Mineração Rio do Norte no ato legal efetivado para garantir a exclusão de suas terras da área que integrou a Floresta Nacional do Saracá-Taquera, mas, o absurdo que é a proposta de derrubada de 344 hectares de castanhais que teimam em ficar a 25 metros acima da bauxita metalúrgica a ser explorada no subsolo.

  O que importa é perceber a forma como opera o estado brasileiro nas questões ambientais na Amazônia, levando em conta quase sempre o interesse externo, em detrimento dos interesses mais genuínos da população que vive dos castanhais, como é fato reconhecido no Rima, ainda que tratando a questão da extinção dos castanhais com o cruel eufemismo da ´supressão´.

  Tais fatos são aqui trazidos como forma de lançar luz na iminente discussão que se fará sobre a proposta conjunta do Ibama e MRN em criar a partir das comunidades ribeirinhas do Lago do Sapucuá novas entidades coletivas de direito privado, para então firmar convênios administrativos e viabilizar a exploração econômica da Floresta Nacional Saracá-Taquera pelo lado do lago, enquanto a mineradora destrói a verdadeira economia da região, como é o caso dos castanhais e outras florestas de madeira nobre.

  A Flona do Saracá-Taquera foi criada pelo decreto acima em 1989, mas até o momento sem definição planejada para sua exploração econômica, bem como a inexistência de notícias acerca do cumprimento das ´necessárias desapropriações´, na forma do Art. 6º - ´A Área da Floresta Nacional, ora criada, fica declarada de interesse social, conforme preconiza o art. 5º, letra ´b´, da Lei nº 4.771/65, ficando as desapropriações que se façam necessárias a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.´
  Por outro lado, espera-se melhor sorte aos habitantes do Sapucuá nos dias de hoje, posto que é o Ibama parte legítima na administração da Floresta Nacional do Saracá-Taquera, tipificada na legislação federal como unidade de conservação da natureza, mesmo que seu administrador, servidor público federal do Ibama , tenha residência e escritório de trabalho na Vila de Porto Trombetas, distante do lago Sapucuá cerca de 6 horas de barco regional. As Florestas Nacionais - Flonas e a Saracá-Taquera é uma delas, são definidas como ´... área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivos a produção econômica sustentável de madeira e outros produtos vegetais e a pesquisa científica, especialmente de métodos para exploração sustentável de florestas nativas. Portanto, essa área protegida destina-se principalmente à exploração sustentada da madeira e outros recursos florestais, possibilitando também a recreação, educação ambiental e o manejo da fauna. Constituída somente de terras públicas, é permitida a visitação pública, de acordo com o que estabelecer o plano de manejo e o órgão responsável por sua administração, como também é permitida a presença de populações tradicionais (BENATTI, 1996,p.57), apud Professora e Mestra em Direito Ambiental Maria do Socorro de Almeida Flores, in O meio ambiente e a proteção dos recursos florestais no Pará: uma abordagem jurídica, pág. 159, UFPA-FFA, Belém, 1999.

  E o próprio ato de criação da Flona Saracá-Taquera já traz no seu bojo a respectiva competência deferida ao Ibama , na forma do artigo 3º - ´Objetivando atingir os fins técnico-científicos e econômicos, fica o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis autorizado a celebrar convênios, visando a maior proteção e o manejo futuro dos recursos naturais renováveis da Floresta Nacional Saracá-Taquera, sob regime de produção sustentada.´

  Ora, para que não se venha no futuro dizer das mazelas causadas pelo ´lavo as mãos´ histórico, especialmente em dia santificado, exige-se que a mineradora e o órgão ambiental divulguem e esclareçam ao público presente na referida audiência todas as informações disponíveis, relatórios, vistorias, quantidade de massa florestal a ser suprimida, inventário florestal (requisito básico em Plano de Manejo Florestal), tudo dentro da legalidade do estado de direito, para instruir medidas mitigadoras do impacto ambiental causado pela atividade mineradora com vistas a legitimar diante da sociedade a exploração sustentada economicamente da Flona Saracá-Taquera, preservando os centenários castanhais, dando vezo ao discurso governamental do ´desenvolver sem desvastar´.

(Artigo de João Bosco Almeida, publicado na Gazeta Mercantil, Opinião, em 28.03.02)

One thought on “Bauxita ou castanha?

  1. É lamentável o descaso do Poder Público, quanto as “coisas” da Amazônia; se todos fossem responsabilizados e chamados a responder sobre os problemas que essas mineradora estão infringindo ao povo nativo da região. Com certeza eles fugiriam correndo sem dar explicações e responder aos interessados, os grandes prejuízos que hora estão causando, visam apenas os lucros, e o “povo” fica a “ ver navios, literalmente.
    Vanda M. Bacelar Martins, uma “ oriximinaense indignada.”

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