Porque não esperar pelo Estado

            Frente à imensidão amazônica tudo é possível. Até mesmo ficar séculos e séculos esperando pelas ações daqueles que vêem de longe. Espaço não falta para abrigar a comodidade, o não saber fazer, a melhor desculpa e muito menos tempo e lerdeza do bom e aconchegante clima invariável ao longo dos tempos.

            Dessa maneira, fica tudo como está para ver como é que vai ficar! Essa é a razão da insatisfação atual! A globalização atualizou tudo, zerou a lerdeza e instigou o incômodo ato de pensar…

            Nos livros é possível encontrar algumas justificações para esse tipo de mobilidade para ação positiva na região do vale do Trombetas. Tirando a poeira de A Política, do grego Aristóteles, de Thomas Hobbes¸ do italiano Norberto Bobbio e outros mais, é possível pensar um pouco em busca das razões antes da ação para depois da inação do Estado nacional, estadual ou municipal[1].

            Instado a apresentar a condição científica da proposta do MERCOTROM recorre-se à teoria do estado moderno em suas várias acepções até nossos dias. As mesmas que formataram as grandes entidades políticas de agora, organizando e legitimando as instituições duradouras da civilização ocidental, como a família, a escola, o direito, o estado nacional, a política etc..

            O ponto de partida de análise da origem e do fundamento do Estado é definir sua natureza, ou seja, se um estado não político ou anti-político. [2] Evoluindo de uma idéia inicial onde havia tal dicotomia, aceitando o surgimento de outros modelos, é proposto um modelo alternativo que justificasse a legitimação de um poder estatal. Tal é para satisfação daqueles que exigem a condição “oficial” para dizer uma proposta de estratégia política e econômica como o MERCOTROM.

            Ainda restam vários modelos para se escolher como  aquele que justifica a interferência de um poder externo na região. Adota-se o modelo alternativo para clarear as idéias dos mais exigentes. La construción de um modelo alternativo y la subsunción en él de una realidad diversa y múltiple puede parecer una operación arbitraria y estéril. Considero que en este caso la legitimidad (y también la utilidad) de la operación podría quedar demostrada sobre la base de la constatación de que la filosofía política anterior a la del iusnaturalismo h acogido y transmitido sin diferencias perceptibles de un autor a otro un modelo completamente distinto, y opuesto en casi todos los aspectos. Se trata del modelo al que por su autor se puede llamar “aristotélico”. En las primeras páginas de la POLÍTICA Aristóteles explica el origen del Estado en tantos que polis o ciudad, a partir de la familia y siguiendo a través de la formación intermedia de la aldea. Dicho con sus mismas palabras:

La comunidad que se constituye para la vida de todos los días es por naturaleza la familia […]. La primera comunidad, que deriva de la unión de más familias desarrollada para satisfacer una necesidad no estrictamente diaria es la aldea[…]. La comunidad perfecta de aldeas constituye ya la ciudad, que ha alcanzado lo que se llama un nivel de autosuficiencia y que surge para hacer posible la vida y que subsiste para producir las condiciones de una buena existencia (1252a)

            Resultan sorprendentes la duración, la continuidad, la estabilidad, la vitalidad de que ha dado pruebas a lo largo de los siglos esta forma de concebir el origen del Estado.[3]

            Todo esse espanhol serve para reafirmar uma certeza tão presente nos filósofos nativos da Kondurilândia que às vezes nem se dão conta: quem tem que fazer as coisas acontecerem mesmo na sociedade civil são as mesmas pessoas que acordam, vão ao trabalho e retornam para uma mesa comum de alimentação e voltam a dormir na mesma localidade, ou seja, os oriximinaenses, ao menos.

            São aquelas pessoas conscientes de que aquele Estado não existe se eles não emprestarem uma hora por dia de sua labuta para fazer e organizar sua rua, seu bairro, sua cidade, sua região e nação. Está na família, seja natural de pai e mãe, seja de amigos, de interesses comuns, de negócios ou outros lícitos motivos. Mas, família, com unidade e sentimentos próprios dos seus membros integrantes que partilham as mesmas regras de convivência.

            E assim, não se poderiam esperar pelo Estado para resolver aqueles problemas que estão postos desde sempre. Ainda mais, o Estado existe e está presente, mas, tentou abarcar tantas questões que não se sustenta hoje em dia a menos que busque o apoio na sociedade.

            Para a doutora em Antropologia Ligia T. L. Simonian (UFPA-NAEA)[4], as políticas públicas para a questão mineral na Amazônia faliram e não são mais possíveis sua realização na forma concebida, o que aliás, devem constituir objetos de amplos debates na sociedade civil.

            Antes de tratar essa questão da falência das políticas públicas, cumpre revisar um conceito histórico de como se deve encarar os problemas sociais e a causa das origens dos fato social e conseqüentemente do fato histórico, afinal, também das causas devemos tratar na busca de soluções para qualquer problema social.

            Pouco difundido no Brasil, o russo Guiorgui Valentinóvitch Plekhanov, ensina que “…quando o historiador não é daqueles que se privaram do dom de generalizar e pode abarcar com o pensamento o passado e o presente do gênero humano, vê desenrolar-se um grande e maravilhoso espetáculo”[5]. Assim, a História deve ser considerada como ciência que não se contenta em aprender como se passaram as coisas, mas que quer saber por que se passaram de tal maneira e não de outra qualquer.[6]

            A propósito desta discussão trombetana é preciso contextualizar o pensador alemão Karl Marx para quem em minhas pesquisas conduziram a este resultado: que as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser compreendidas por si próprias, nem pela pretensa evolução geral do espírito humano, mas, ao contrário, deitam suas raízes nas condições materiais de existência, cujo conjunto Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século XVIII, compreende sob o nome de “sociedade civil”.[7]

            Mais queremos ao mostrar a urgência do processo histórico, ou melhor, do momento histórico experimentado pela sociedade oriximinaense e dos arredores do vale do Rio Trombetas face às forças produtivas presentes e atuantes.

            Ao perguntar quais são as causas determinantes da sociedade civil,  Marx vai mais longe e responde que é na economia política que devemos buscar a anatomia da sociedade civil. Como o caso daquele legista trombetano que Caco Konduri poetizou[8], vamos por parte. Diz-nos o russo Plekhanov, que é o estado econômico de um povo que determina seu estado social, e o estado social de um povo determina, por sua vez, seu estado político, religioso e assim sucessivamente. Mas, perguntareis, o estado econômico não tem causa, por sua vez? Sem dúvida, como todas as coisas do mundo, tem sua causa, e esta causa, causa fundamental de toda evolução social e, portanto, de todo movimento histórico, é a luta que o homem trava com a natureza para assegurar sua própria existência. Desejo ler-vos o que Marx diz a respeito: [9]

            “Na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um dado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que lhes determina o ser; ao contrário, seu ser social determina sua consciência. Em um certo estado de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que a expressão jurídica disso, com as relações de propriedade no sei das quais se haviam movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que eram, estas relações transformaram-se em seus entraves. Abre-se então uma época de revolução social. A mudança na base econômica subverte mais ou menos lentamente, mais ou menos rapidamente toda a enorme superestrutura. Quando consideramos tais subversões, é preciso distinguir sempre a revolução material que pode ser constatada de modo cientificamente rigoroso – das condições de produção econômica e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, as formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência deste conflito e o levam até o fim. Da mesma maneira que não se julga um indivíduo pela idéia que ele faz de si próprio, não se deve julgar tal época de subversão por sua consciência de si mesma; ao contrário, é preciso explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma formação social só desaparece depois de se terem desenvolvido todas as forças produtivas que ela pode conter, jamais novas e superiores relações de produção a substituem antes que as condições materiais de existência destas relações tenham eclodido no próprio seio da velha sociedade. Eis porque a humanidade não formula jamais senão problemas que pode resolver, porque, se olharmos mais de perto, vemos sempre que o próprio problema só surge onde as condições materiais para resolve-lo existem ou, pelo menos, estão em vias de aparecer.”[10]

            Que tipo de sociedade temos no vale do rio Trombetas? Do tipo caçadora, pastoril, agricultura, industrial ou comercial, de serviços ou de cidadania? Essa é a resposta que precisamos dizer no trato dos conflitos latentes de lado a lado. Não se deve cultivar a litigiosidade contida no fosso trombetano. Há que se criar agendas positivas de cunho social para reduzir esse passivo herdado pelas gerações anteriores. Afinal, a economia política determina a consciência regional…

*

            Agora a questão da falência das políticas públicas no vale do rio Trombetas. Evoluindo dos pedidos simplórios de “tambores e foguetes” a sociedade política de Oriximiná conseguiu dar saltos  históricos nessa questão, vez que hoje, já sustenta debates e fórum políticos e, em alguns casos, uma discussão social para os  problemas locais, não sem entremeios de pedidos absurdos de alguns vereadores provincianos, que ao verem a platéia cheia, não se intimidam em “pedir” esmolas para a MRN, mesmo sabendo que a resposta vai ser um sonoro não, ou pior, algo do tipo “ponha tudo isso no papel e encaminhe para nossa diretoria…”.

            Ligia Simonian[11], diz que ultimamente, tanto as políticas como as ações do Estado voltadas para a constituição de áreas de reserva … e para a sustentabilidade dos recursos naturais têm sido pautadas  por perspectivas dominantemente negativas.  Esclarece porque a partir de 1970 essas áreas foram adredemente criadas no país, especialmente para proteger grandes projetos mineradores.

            No que diz respeito às reservas, a partir de suas diversas esferas, o Estado propõe e implementa políticas sobre essa áreas, mas raramente atende a critérios científicos, ou mesmo aos interesses das populações locais. Em face de tal postura, na Amazônia, a sustentabilidade dos recursos naturais é dificultada e criam-se condições para que mobilizações e movimentos sociais ocorram em resposta.  Registre-se os problemas sérios causados aos ribeirinhos do Trombetas a quando da criação da REBIO do TROMBETAS e sua manutenção até os dias presentes.

            Ligia Simoniam, afirma ainda que… na REBIO do GUAPORÉ, várias comunidades de caboclos foram compulsoriamente transferidas e ainda sofreram toda sorte de intimidação e violência… Como na REBIO do GUAPORÉ, no Trombetas, e em tantas outras áreas de reserva, mesmo recentemente, essas populações sofreram toda sorte de intimidação. Em face de tal desdobramento, as resistências são muitas quanto ao processo de implantação da FLONA, tendo sido grandes os questionamentos acerca do modo como foi feita a licitação pública pela sua Coordenação, a qual privilegiou a participação de empresas em detrimento de possíveis interesses das próprias populações e/ou associações locais.[12]

A REBIO do TROMBETAS assim também a FLONA SARACÁ-TAQUERA até o presente momento não apresentam nenhum estudo científico que lhe justificasse a criação, que não seja diferente da proteção da área para a mineradora. Vale dizer, que até hoje há conflito agrário[13] face ao pouco zelo e participação da sociedade na sua criação nos anos do autoritarismo.

 A memória da população de Oriximiná é fértil quanto ao problema das “tartarugas do Trombetas”, de como os ribeirinhos foram expulsos de suas terras nativas e dos castanhais, mesmo que não tituladas, mas secularmente possuídas por eles mesmos, chegando até serem consideradas bens de valor econômico essencial para a economia do Pará, como se vê do depoimento de Silvio Meira, em Conferência pronunciada no IV Encontro Interregional de Cientistas Sociais, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, em Manaus, no dia 13 de Novembro de 1966, para quem comentando os feitos do revolucionário Magalhães Barata na segunda república brasileira,  “…a criação da Inspetoria de Minas e Castanhais pelo Decreto nº 416, de 10.07.31, equiparava os castanhais às minas de ouro, para efeito do patrimônio do Estado. A castanha era assim o ouro vegetal, que gerava riquezas fabulosas e permitia o controle do poder, com todas as suas conseqüências”[14].

            Aliás, não precisa ser morador de Oriximiná para saber como os castanhais foram elemento impulsionador da economia trombetana e também registrar a decadência dessa atividade de coletores de castanhas a partir da criação da “reserva” e toda a truculência que incidiu sobre os ribeirinhos, pescadores, coletores…

Pior do que não servir à sociedade, em gritante ofensa ao princípio constitucional da função social da propriedade, o estado acabou criando verdadeiros latifúndios na região do vale do rio Trombetas. Ainda neste tema a inutilidade social da Floresta Nacional do Saracá-Taquera, que com seus 425 mil hectares, protege as minas e veda o acesso das populações dos lagos marginais, como ficou presente nas últimas audiências públicas em Oriximiná quando foram preciso, pelo menos, duas reuniões para divulgação do EIA-RIMA[15] para a nova área de atividade já iniciada no ano de 2002.

Registre-se que o vale do Saracazinho já foi um grande centro de produção e escoamento de castanha-do-Pará no passado, hoje fora do mercado extrativo em razão de se incluir no arco de proteção da FLONA Saracá-Taquera, e sem estudos de manejo florestal nem sequer iniciado por qualquer das partes envolvidas. Não é proibido a extração das espécies florestais em áreas de reservas. O que a legislação exige é um estudo prévio, fazendo-se o completo inventário da área para então autorizar a exploração via manejo racional dos recursos. A questão é o acesso da população à esse tipo de informação e procedimento uma vez que os órgãos ambientais que poderiam prestar esse tipo de serviço à população está inserido na urbana da Vila de Porto Trombetas, dificultando o acesso de quem quer que seja.

Imaginem, apenas para os leitores da região, o que significa um ribeirinho que queira, por exemplo, extrair açaí em suas terras e ficar “dentro da lei”, como diz a propaganda institucional do IBAMA, “fique legal”. Teria que dar uma volta no rio Trombetas e acessar a Vila de Porto Trombetas distante, pelo menos, cerca de 4 horas do Sapucuá, e ainda solicitar autorização para “subir” como dizem os ribeirinhos da região. Ou seja, se a gerência da FLONA SARACA estivesse na sede do município, não há duvidas que todos os interessados, inclusive o ribeirinho do Sapucuá, poderia dispor livremente dos serviços públicos do IBAMA, sem precisar entrar ou pedir permissão para ter esse direito constitucional que funciona “dentro de uma empresa particular, lá na Vila de Porto Trombetas”.

            Mas é outra pesquisadora do NAEA que nos fornece elementos de discussão mais aclarados que permitem melhores questionamentos, inclusive quanto à não participação de Oriximiná e arredores no Fundo para o Desenvolvimento Regional com Recursos da Desestatização/FRD, de R$ 200,9 milhões, a ser administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social/BNDES.[16]

            Diz-nos Maria C Coelho que entre os projetos de maior capacidade de atração de investimentos estrangeiros e união com o capital nacional, destacam-se a Mineração Rio do Norte/MRN e Albras-Alunorte… Em março de 1996, a CVRD foi privatizada. A CVRD privatizada possui uma certa independência dos estados e dos lugares onde atua. A nova política da empresa não primou, pelo menos noos primeiros dois anos de sua privatização, por uma política de estreitamento das relações entre empresas e estados. Por exemplo, o que está por trás das recusas ao projeto de verticalização da produção do cobre do Salobo?…. O poder de barganha dos estados e dos municípios nas negociações com a CVRD estatal foi sempre reduzido. Às vésperas de sua privatização, por pressões dos governos estaduais, ela destinou 8% de seu lucro líquido anual à aplicação em projetos sociais nos municípios da área de sua influência. A relação CVRD como o desenvolvimento destes municípios deixou de existir como obrigação. Como forma de compensação, foi criado o FRD.

            Assim está o vale do Rio Trombetas sendo questionado na academia quase sempre em busca das soluções técnicas à luz da ciência e do bom senso. Ainda é preciso transcrever  acerca do FRD da CVRD, que do valor total de R$ 200,9 milhões, R$ 85,9 milhões são oriundos do patrimônio da ex-estatal (o equivalente ao estoque de investimentos da CVRD no setor social) e o restante do orçamento do banco. A cada balanço anual da CVRD, uma parcela do FDR deveria ser liberada.

            Confesso que tenho arquivado os balanços anuais da MRN mas em nenhum deles assim também em nenhuma das palestras que já ouvi sobre suas ações sociais nos arredores de Oriximiná, pude saber de algum projeto que tenha sido financiado ou gestado através do FDR.

            Talvez por essas razões é que o povo de Oriximiná não reconhece a MRN como empresa de sua cidade como ficou registrado em recente pesquisa patrocinada pela mineradora, até porque insiste em portar nos seus papéis oficiais o termo Porto Trombetas em substituição ao nome da sede do município.           

            Para não cometer heresia social, ainda nos cumpre transcrever para este ensaio a visão conclusiva de Ligia T. Simonian, para quem “…investigar, identificar e analisar as problemáticas das políticas públicas, do desenvolvimento sustentável e recursos naturais, principalmente em áreas de reserva, são questões por demais complexas. Por sua vez, esta complexidade é excepcional quando aquelas questões se realizam em contextos do trópico úmido como a Amazônia. Nesta região, não só os abusos têm sido uma constante desde os tempos coloniais, como nos últimos anos eles têm sido disseminados. […] Por si só uma tal tendência demonstra a força de modos de pensar, das ações e das resistências a um projeto voltado para as políticas públicas democráticas e que possam respeitar as condições de sustentabilidade do ambiente e dos mais diversos recursos naturais. Uma tal perpectiva, minimamente, implica respeito, proteção e conservação da biodiversidade, notadamente quando se trata de áreas de reserva.”[17]

            Então fica a proposta do debate democrático para as melhores soluções de interfaciar com o meio ambiente. Veja-se a questão da água do rio Trombetas. Para escoar a produção de 16 milhões de toneladas de bauxita por ano, são necessários, segundo se divulga na imprensa e nos folders da mineradora, o transito de cerca de 300 navios rio abaixo, rio acima, no Trombetas, quase chegando à média diária de um navio por dia, que manuseia a água em suas necessidades normais; somem-se a isso os quase dez mil barcos, ou motores, como popularmente denominamos o mais popular meio de transporte da região que usa e manuseia a mesma  água, sem contudo receber outra coisa senão dejetos humanos, óleo, resíduos industriais e navais. Como os órgãos ambientais estão se preparando para mais essa investida nos recursos naturais e como a sociedade vai tratar a questão senão através de seminários, ambientações com o problema, etc etc etc

            Continuando com o pessoal do NAEA, Lígia Simonian afirma que “…As possibilidades de resistência às políticas públicas autoritárias, que asseguram o manejo negativo e conseqüentemente buscam viabilizar as áreas de reserva, igualmente aproximam vontades, realidades e destinos humanos. Não é de estranhar,  pois, que muitas propostas voltadas às políticas públicas, ao desenvolvimento sustentável e à conservação da biodiversidade vê sendo concebidas, sugeridas e/ou implementadas de modo democrático a partir de pesquisas, e por isso podem eventualmente se tornar eficazes.[…] Porém, como tais instâncias são muitas e não raro contraditórias, muito ainda há para analisar, concluir e propor, sem que isto implique necessariamente a imposição de um único modelo de políticas públicas, de sustentabilidade do desenvolvimento e de conservação dos recursos naturais. De fato, muito pouco, para não dizer  nada, tem sido encontrado a respeito. Possivelmente o grau de politização em que tais questões são envolvidas tem restringido as possibilidades de sucesso de experimentos alternativos. Por sua vez, tantas são as tensões e limites impostos aos grupos e comunidades específicas quando buscam experimentar o que se propõe como alternativa, que tais dificuldades tendem a se disseminar”.[18]

            E finalmente, “…Neste ponto, a necessidade do debate se impõe tanto no âmbito da academia e do Estado quanto da sociedade civil, pois muitos são os pontos críticos acerca das políticas públicas, do desenvolvimento sustentável e dos recursos naturais em áreas de reservas. A persistência desta problemática e a necessidade de maior discussão coloca-se ainda como da maior importância em se tratando da Amazônia, uma área riquíssima em biodiversidade e em diversidade cultural. Em que medida a permissão de exploração mineral recentemente aprovada no Senado[19] constituir-se-á em óbice a um maior equilíbrio entre a sociedade e a natureza, é uma questão ainda sem resposta, embora pelas experiências anteriores seja muito provável que o desequilíbrio se imporá. Também outras questões se impõem, como a quase inexistência de fiscalização, a lentidão na apuração dos crimes ambientais, a capacitação crítica das assessorias, o problemático patamar educacional-formal das populações tradicionais e suas dificuldades para a obtenção de recursos que possam consolidar o manejo positivo dos recursos.”[20]

            Como se vê, compete à urbe trombetana a tarefa de propor as necessárias modificações e implementações de uma nova política ambiental para as áreas de reservas que entornam a região do vale do Rio Trombetas e que delas se beneficie toda a sociedade.

(capítulo do livro Trombetas, de João Bosco Almeida)


[1] O termo Estado é usado aqui na concepção de ente político. N A

[2] El modelo Iusnaturalista, in Thomas Hobbes, Norberto Bobbio,Fondo de Cultura Econômica, México, 1995, p.15

[3] Norberto Bobbio in Thomas Hobbes, ob. Citada, p. 18

[4] Antropóloga, Doutora em Antropologia pela Universidade da Cidade de Nova Iorque, EUA, pesquisadora e professora adjunta do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA-UFPA. Tem pesquisado e publicado sobre políticas de terras indígenas no Sul do Brasil e na Amazônia.

[5] G. Plekhanov, in A concepção Materialista da História.Editorial Vitória, Biblioteca da Nova Cultura, Vol III,Rio de Janeiro, 1956

[6] Obra citada, pág. 12

[7] Apud Karl Marx, in Construção à Critica da Economia Política, tradução francesa de Leon Rémy, págs. III-IV

[8] Fosso Trombetano, de Caco Konduri, publicação recente do poeta oriximinaense que trata da desintegração social no vale do Trombetas. N A

[9] G. Plekhanov, pág. 43

[10] Ob. citada, pág. 44

[11] ob. citada, idem, idem.

[12] Ligia Simonian, obra citada, pág. 27

[13] Há pelo menos dois processos judiciais na Justiça Federal que tratam da titularidade de terras na área do Bacabal, no coração da REBIO do Trombetas. N A

[14] Silvio Meira, in Temas de Direito Civil e Agrário, CEJUP, 1986, pág. 86

[15] Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental – Inspirado no direito norte-americano (National Environmental Plicy Act/NEPA – de 1969), o EIA foi introduzido no direito positivo brasileiro pela Lei nº 6.803/80, que dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição”. O EIA constituirá o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) o qual deve refletir as conclusões do EIA. O objetivo do RIMA é comunicar os resultados alcançados no EIA à população, de modo que ela possa conhecer as vantagens e eventuais desvantagens do empreendimento, bem como as conseqüências ambientais de sua implantação (Resolução do CONAMA nº 001/1986, art. 9º e parágrafo único). Muitas vezes, mesmo em textos especializados há uma certa confusão entre EIA e RIMA. Trata-se, na verdade, de duas entidades distintas de um mesmo  documento. 

[16] apud Maria C. N .Coelho, in Política e Gestão Ambiental (Des)Integrada dos Recursos Minerais na Amazônia Oriental, pág. 145

[17] Obra citada, pág. 39

[18] obra citada, pág. 40

[19] Fortemente inclinada a atender pressão do setor mineral, a alteração da legislação no Senado Federal que modificou a finalidade das Florestas Nacionais, anteriormente criadas para proteção da flora e fauna, mas permitida a exploração racional dos recursos florestais, até porque concernente à denominação da área de proteção chamada com o termo Floresta Nacional. Após a alteração que Ligia Simonian se refere, as FLONAS (Florestas Nacionais) passaram a ter como objetivo a exploração de recursos minerais também, em flagrante casuísmo mineral. N A

[20] obra citada, pág. 45

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