João Bosco conta Oriximiná[1]

Nicodemos Sena *

 “Que ninguém desconheça de onde veio e para onde vai, pois não existe futuro sem passado, porque a História é assim: água da fonte, rio e mar”, assim escreveu Cléo Bernardo, em “O Liberal” de 14 de abril de 1974, por ocasião do falecimento de Paulo Rodrigues dos Santos, autor de “Tupaiulândia” (1971), livro pioneiro e até hoje o melhor sobre a história de Santarém. 


        Que belo exemplo nos deu Paulo Rodrigues dos Santos! Pouca gente tem amado a terra natal, a natureza e o povo, como ele amou! Sozinho, sem apoio oficial, realizou um trabalho gigantesco de reconstituição do passado, reativando nossa memória embotada por seculos de dominação. Antes de “Tupaiulândia”, alguém até poderia apaixonar-se por Santarém, depois de andar por suas ruas ou banhar em suas praias; difícil, todavia, seria amá-la, pois não se pode amar algo cuja história se desconhece. Paulo Rodrigues dos Santos amou e ensinou-nos amar a terra onde nascemos. O seu exemplo, felizmente, irradia-se pelos rincões do Grande Vale. É uma alegria presenciar outros filhos do oeste, legítimos amazônidas, enveredarem pelo mesmo caminho trilhado por Paulo Rodrigues dos Santos.

 
        João Bosco Almeida, advogado e articulista de “O Estado do Tapajós”, que acaba de lançar o livro “Kondurilândia”, numa longa, difícil mas apaixonante viagem, como o caçador que se embrenha na floresta intrincada, enfiou-se pelo labirinto de lendas, mitos e “histórias” de Uraxamina (ou Uradimina, ou Oriximiná, como hoje é conhecida a “Pérola do Trombetas”), de onde retornou trazendo nos dentes o passado do seu povo, que se havia extraviado nos mil dédalos do tempo. 


        Não há como evitar a comparação entre “Kondurilândia”, do oriximinaense João Bosco Almeida, e “Tupailândia”, do santareno Paulo Rodrigues dos Santos. Se na gênese da “Pérola do Tapajós” Paulo Rodrigues dos Santos localizou a tribo dos tupaius (ou tapajós), João Bosco Almeida encontrou os konduris na origem de Oriximiná. 


        Nas veias de todos nós corre o nobre sangue tupi. Tanto num como noutro livro, buscam-se no passado os elementos que permitam compreeder o presente, a fim de que se possa construir o futuro. Cada livro, todavia, traz a marca e as limitações do seu tempo. 


        “Tupaiulândia” é um invejável repositório de reminiscências tapajônicas, que o autor reuniu na quietude de uma sociedade pacata e estagnada, que era a Santarém de antes da estrada Cuiabá-Santarém (1970). Terra do sem-fim, o berço de Paulo Rodrigues dos Santos e meu não passava então de um pontinho no mapa do Brasil, submetido ao esquecimento das metrópoles (Belém, Rio de Janeiro ou Brasília). Se escrito hoje, “Tupaiulândia” sairia diferente. O passado, se visto a partir de uma sociedade mais democrática, ainda que não menos injusta, como é a nossa, ganharia outro significado. A sujeição e o abandono que continuamos padecendo teriam outra leitura. E é justamente essa nova leitura que João Bosco Almeida faz em “Kondurilândia”. Ele não apenas descreve os problemas de Oriximiná, como denuncia desmandos cometidos em toda a Amazônia, e também propõe soluções (por exemplo, a criação do MERCOTROM-Mercado Comum para o Trombetas). “Kondurilândia” pode ser lido como aquele capítulo que Paulo Rodrigues dos Santos teria escrito no “Tupaiulândia”, se não tivesse falecido em 1974. Pois, na Amazônia, a história de um é a história de todos, e só juntos conseguiremos realizar plenamente o nosso destino. A criação de nova unidade federativa, como o Estado do Tapajós, só se justifica se objetivar o fortalecimento da Amazônia como um todo. 


        As várias “histórias” do oeste do Pará ainda não foram todas escritas. “Tupaiulândia” e “Kondurilândia” são dois capítulos do mesmo grande e trágico livro que conta as injustiças praticadas contra índios, negros e caboclos e a luta destes excluídos (até aqui inglória) contra seus algozes de fora e os da própria região. 


        Escrito com emoção e razão, num estilo vigoroso e preciso (apesar das falhas de revisão), “Kondurilândia” já integra a melhor estante de temática amazônica. João Bosco Almeida não se perde em reminiscências; o passado não entra em seu livro como matéria morta e mumificada, como faz a historiografia oficial. “Kondurilândia” conduz à reflexão e exige-nos uma tomada consciente de posição, nesse digladiar de forças desiguais que se desenrola na arena de sombra e luz da Amazônia. Da atitude de cada um de nós dependerá o futuro da região. 
(Artigo publicado no jornal O Estado do Tapajós, em 17.07.01)


[1] Primeira critica publicada sobre o Livro Kondurilândia, de João Bosco Almeida

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *