Discurso de Posse na ALAO

Discurso de posse do Acadêmico João Bosco Almeida, na Academia de Letras e Artes de Oriximiná, Pará, em 13 de maio de 2023.

Sr. Presidente, senhoras e senhores desta ilustre assembleia de instalação da ALAO

Caros Confrades e Ilustre Confreira,

Com as bênçãos divinas e honras deste mundo,  devo iniciar o ingresso na vida acadêmica da trombetinidade ensaiando uma análise filosófica no espaço-tempo em que se formaram as letras primeiras da nossa gentilidade, qual sejam, as interpretações do espírito de Caco Konduri, meu antecedente no agon literário, artífice das palavras no soneto URAXAMINA:

Na preta e funda água bela,

Medita a pedra, sentinela posta.

Vento insufla do Omágua a vela,

A quantos nativos a história enrosca.

Exala a mata a seiva enxuta,

Regaço cativo, a terra preta;

Sagrado ídolo no solo avulta

Apantos vivos… é só careta.

O rio lamina o ferro, a quilha,

A terra culta, barro quebrado.

Semântico leito dá nome a filha

Selo remoto cola calado

Lapidar gemido a língua fará:

Uraxamina, Uradimina, Oriximiná.

Nesta abertura espaço-temporal vê-se Caco Konduri, sentado nas pedras do Iripixi, elemento passante do multiverso literário contemplando as naus lusitanas da expedição de Francisco de Orellana, em 1542, descendo o rio Amazonas, de Quito, no Perú a costa do Amapá, indo até a ilha de Trinidad e Tobago, trazendo a bordo o escriba Carvajal a registrar as Icamiabas… (faço aqui um reminiscência familiar: quando escrevia o livro Kondurilândia, meu filho pequeno diz: “pai, Carvajal, Portugal, Carnaval.. “foi Carvajal, lá em Portugal, que alarmou a Corte Real,,,, índia mulher, no além-mar… a morte quer, quer te encontrar… foi Carvajal…).

Lá também escreveu Carvajal o nome do rio das Trombetas dos portugueses, bem assim: Vrixamina…

Para Harold Bloom, americano que se destaca como o maior da língua inglesa na crítica às obras de Shakespeare, diz que “a nossa definição clássica daquilo que o sublime literário reivindica pode ser encontrada nas sentenças iniciais de The Romantic Sublime, 1976, de Thomas Weiskel: A alegação essencial do sublime é que o homem pode, no sentimento e na LINGUAGEM, transcender o humano. O que se encontra além do humano, se é que algo se encontra além – Deus ou deuses, o demônio ou a Natureza -, é objeto de grande divergência. O que define a esfera do humano, se algo é capaz de fazê-lo, provavelmente não é menos indisputável”.

Mas, é preciso delimitar nossa fala, nosso discurso para a realização, para o fazer… e me dirijo especialmente aqueles que não laboram o fazer, alegando culpas de outrem…

Neste ponto me socorre o filósofo do martelo, Friedrich Nietzsche, em um dos seus vários livros, O Crepúsculo dos Ídolos, citado pelo francês Luc Ferry, no livro Aprender a Viver… “Quando o anarquista, como porta-voz das camadas sociais em decadência, reclama com toda  a indignação, o “direito”, a “justiça”, os “direitos iguais”, ele se encontra sob a pressão de sua própria incultura que não entende por que, no fundo, sofre… Há nele um instinto de causalidade que o força a raciocinar: é preciso que seja culpa de alguém se ele está tão pouco à vontade… essa “grande indignação” já lhe faz bem, é um verdadeiro prazer para um pobre-diabo poder injuriar, ele encontra nisso uma leve embriaguez de poder…”

Para os acadêmicos que personificam este sodalício trago outra reflexão nietzschiana, em A Vontade de Poder: “a grandeza de um artista não se mede pelos “bons sentimentos” que ele suscita”, mas reside no grande estilo, quer dizer, na capacidade de se “tornar senhor do caos interior; em forçar seu próprio caos a assumir a forma; agir de modo lógico, simples, categórico, matemático, tornar-se lei, eis a grande ambição”.

De volta às pedras do Iripixi, sentado naquela onde há uma gravura rupestre, ele vê, a chegada dos navegantes europeus e brasileiros que singraram as “plúmbeas águas trombetinas”, no dizer do Padre Nicolino, em seu diário, no ano de 1876.

Viu passar por lá no ano de 1852, Domingos Soares Ferreira Pena, que a mando do Governo Imperial, cumpriu uma missão de coleta das informações estatísticas para avaliação da Região Ocidental da Província do Grão-Pará, quando aqui não existia nada, apenas uma chapada, o rio Cachoeri media 60 braças e havia 3.500 cabeças de gado no lago Sapucuá. Diz-se, nesse momento que já então se falava na separação do imenso território denominado Grão-Pará… mas, isso é um assunto para outra história das nossas gentes.

Lá também viu chegar um português, com 23 anos, Carlos Maria Teixeira, que acabara de chegar de Lisboa naquele 30 de janeiro de 1862, a bordo do brigue Ligeiro 2º, se dirigiu para Óbidos a fim de iniciar a vida como caixeiro viajante…

Viu as 3 viagens de Pe Nicolino, em 1876, 1877 e 1882…

Em 1893, viu a chegada do engenheiro Gustavo Tocantins;

Em 1894, viu a chegada do tenente Lourenço Valente do Couto…

E em 1925, a expedição dos Drs. Picanço Diniz e Avelino Oliveira.

Também de lá, já no final do século XIX, viu as canoas de Henri Coudreau sua mulher Otilia, que em suas viagens exploratórias registrou a boa acolhida que o monsieur Carlos Maria Teixeira lhe proporcionou, em 1895 registrados no livro Voyage au Trombetas, hoje vivo nas memórias e vidas de seus descendentes. Henri Coudreau faleceu em viagem no rio das  Trombetas e foi enterrado ali mesmo, bem próximo as pedras do Iripixi.

O tempo encobriu os fatos só agora descortinados pela pesquisa e trazidos pela literatura… dizia o filósofo alemão Jurguen Habermas (93 anos), que: “a linguagem e a literatura são o endereço da liberdade”.

Nas memórias, a oralidade não deixa vínculo gravado a não ser na psique de cada um de nós… mesmo a memória popular é reprodução da visão de mundo do falante, daquele que usa seu tempo a mais para pensar… E ao repetir a cisma diária, o ser humano delimita sua espacialidade, sua temporalidade, seu modus vivendi… por estas razões, nas minhas primeiras intervenções diante dos alcaides antecedentes da municipalidade enfatizava e ainda faço agora, a fala de Ortega & Gasset, outro filósofo, desta vez, um espanhol para quem “o mundo sou eu e minhas circunstâncias… o mundo começa a partir de mim…”, da minha aldeia, cantada em versos como Pablo Neruda, em prosa como Machado de Assis, em rabiscos originários como nosso Guruxy, onde bebi as primeiras linhas da historiografia trombetina, segundo suas próprias palavras: “Foi um esforço de 27 anos e 11 meses de trabalho, tempo em que estivemos à testa da Agência Municipal… do IBGE, em Oriximiná. Desde então vínhamos concatenando dados, entretanto, sem pensar em escrever um livro… com certeza haverá alguém que o criticará, o que não afetará o orgulho de sermos os primeiros filhos dessa linda terra que se chama Oriximiná, abençoada por Deus e por Santo Antonio, seu padroeiro, que levará ao conhecimento de seus filhos e de outros brasileiros o que é esta cidade que há 45 anos teve a sua emancipação política e, agora, é uma das mais desenvolvidas dentre as suas congêneres na região… desejamos que outro oriximinaense, nosso descendente ou não, mas com igual ou maior amor, procure, mais tarde melhorar o nosso trabalho. A semente está lançada…” in Apresentação do Livro Oriximiná, de Grouxy, em 1994.

“A quantos nativos a história enrosca?” muitos e tantos serão aqueles que acordarão da ignorância das coisas deste mundo!

Mediando o espaço terra-floresta estamos pisando em vastas camadas de produção culturais antecedentes da nossa gente. Chama a atenção a quantidade de fósseis e outras manufaturas deixadas pelas nações que nos antecederam aqui mesmo nestas paragens… São prenhes de mensagens, ícones e significados outros quando imaginamos uma civilização dinamizando nestas terras que nos receberam para mais esta etapa da nossa existência, daí o sagrado, daí a vivência… mas,  quando esses artefatos arqueológicos não são associados à vida, quando não se dá o devido respeito para essa riqueza cultural que aflora…. então, é só careta mesmo! Como alí no “valão do Lameira…”

Neste ponto quero registrar o grande feito para a cultura trombetina que foi o evento de inauguração do Museu Konduri, com a exposição Olhos da Terra… uma grande visão de futuro ! Parabéns a todos envolvidos nessa tarefa!

Chegando ao final do momento introspectivo eis que Caco Konduri elege o caminho das águas, as ruas da floresta, dos igapós, que recebem os navios (o ferro), a quilha (os lemes) que lhes dão o fluxo e direção da vida, carreando as riquezas rio abaixo.

Lembra-se aqui também os feitos do inesquecível e heroico negro Balduíno Melo, com sua visão submersa via o “ferro de bobuia”, que tantas vezes ouvi narrar nas viagens para a várzea da Boa Vista, no processo de curanderia do gado envenenado pelas folhas de “gibata”, aguardando o “purgante do Velho Balduíno” para salvatagem bovina.

            Das várias nações indígenas na região, Aroases, Apantos, Uabois, Pauxis, Omáguas, Wai-Wai, ao longo do tempo uma vai preterindo outra, de modo que os Cunurizes, batizaram uma das serras das cercanias do lago Sapucuá…(ligado pelo rio Cunurizes (atual Nhamundá) ao Vrixamina, Uradimina, Urudimina, Trombetas) foram escolhidas pelo casal dos ingleses Peter Hilbert, que por aqui passaram na década de 60, para estudar as muitas “cerâmicas” daqui levaram cerca de 35 mil peças (caretas) e material similar… Kurt Niemundajú e João Barbosa Rodrigues, cientistas, que visitaram o rio das Trombetas, afirmam que levaram caixas e caixas com mais de 10 mil artefatos cerâmicos e fossilizados para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Umas 3 mil peças da arqueologia do rio Trombetas foram parar no Museu Metropolitano de Nova York.

As razões do saber guardadas neste sodalício que se instala hoje serão motivos de muitas e muitas outras reviravoltas nas histórias das nossas gentes.

Mais ainda serão aqueles que virão aqui retirar as camadas do saber arqueológico acumulado pelo tempo, como dizia outro francês, Michael Foucault, na sua brilhante Arqueologia do Saber, que tem como objetivo especificar um método de investigação para entender a ordem interna que constitui um determinado saber, quer seja um saber da nossa trombetinidade, quer seja um saber filosófico mais apurado.

Foi assim, na contracapa do livro Kondurilândia – idéias e registros na gênese da nova unidade federativa no oeste do Pará, que veio a público o soneto de Caco Konduri, estreando uma noite com mais de 70 autógrafos, ali, no Restaurante Jacitara, de boas recordações, no longínquo abril do ano 2000.

Que sejamos felizes nesta convivência acadêmica!

Muito Obrigado!

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