A ERA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO RIO TROMBETAS – PARTE 1

Para responder às demandas internacionais o Estado brasileiro precisava reordenar seus territórios ambientais em conformação com a nova ordem mundial. A discussão sobre a sociedade de risco surge com o debate atômico, bem antes da questão ecológica.[1] A questão era saber quem estava protegendo seus recursos naturais para que ou para quem? O movimento ambientalista global se expande e atinge os países periféricos atribuindo a cada um deles uma importante missão na configuração global dos novos poderes instituídos. A formalidade do processo democrático se mantém, mas a ideologia não é mais nativa, pois foi substituída por novas demandas externas aos nossos interesses. Grandes áreas na Amazônia são mapeadas detalhadamente por sistemas informatizados em todo o planeta.[2]

 Na pesquisa que justificasse a criação das grandes áreas de conservação na região do rio Trombetas, encontramos indícios no texto de WANDERLEY[3], para quem as grandes corporações mineradoras buscam criar, nas localidades onde se instalam, uma nova racionalidade, por meio de um ordenamento territorial, que lhes permitirá o exercício “seguro” de suas atividades produtivas. Para tanto, estimulam o processo de institucionalização, isto é, a criação de territórios ou o rearranjo de velhos limites com finalidade de normatizar o uso e a circulação espacial por meio da institucionalização ou normatização dos territórios.[4]

 E colhe-se mais informações com WANDERLEY para dizer sobre os conflitos gerados pela criação das UCs no rio Trombetas[5] onde os territórios das áreas de preservação representam a mais conflituosa transformação no ordenamento territorial local, ao sobreporem terras tradicionalmente ocupadas e redefinirem as práticas espaciais permitidas aos povos tradicionais e aos novos migrantes. A livre circulação e uso no entorno mineral pode significar uma ameaça ao capital, tendo em vista a possibilidade de formação de beiradões (comunidades formadas por migrantes em busca de trabalho nas imediações de um grande projeto), podendo levar a revoltas populares ou à apropriação das áreas com incidência de minérios e especulação imobiliária por corporações ou pessoas físicas.

 O principal conflito existente no espaço do entorno mineral em Oriximiná refere-se ao reordenamento territorial promovido pelo Estado por indicação e lobby da MRN nas décadas de 1970 e 1990, que resultaram na delimitação de duas UCs. Essa política de criação de territórios institucionalizados pretendia o controle social sobre o espaço e sobre os indivíduos do entorno. Trata-se de um conflito ambiental, no qual os dois lados competem por recursos naturais e suas significações, um lado visando à reprodução social e o outro, à preservação ambiental.[6]

 Digno de registro o relato colhido no site do Instituto Socioambiental – ISA[7], para entendimento e compreensão de como se dava as atividades de proteção ao meio ambiente na Amazônia, bem antes do modismo ambiental. Atente-se para a preocupação do governo federal ao criar a unidade de conservação, hoje revelada por funcionários do próprio órgão fiscalizador, onde se verifica a forte influência do poder global (acionistas do grupo minerador) na gestão do poder local (agentes de fiscalização do órgão ambiental).

 Em 1970, a proteção dos tabuleiros de desova de tartarugas de rio passou a ser uma atribuição do então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão que tambémera o responsável pela gestão das unidades de conservação do Brasil. Em 1975, o pioneiro nos estudos de ocorrência desses animais na Amazônia, José Alfinito, chamou a atenção para a necessidade de se proteger os tabuleiros de desova da tartaruga de rio (Podocnemis expansa) e principalmente daqueles que foram posteriormente englobados pela reserva biológica do Rio Trombetas; pois, na ocasião, se tratava dos tabuleiros onde havia a maior desova de tartarugas, dentre todos os conhecidos.

 É fato que a criação da reserva biológica do Rio Trombetas[8] vinha sendo indicada pelo projeto RADAM Brasil, que já propunha o estabelecimento de várias áreas protegidas para a Amazônia, e fora aprovada pelo Polamazônia em 1975. Assim, a área passou a funcionar como uma reserva biológica de fato, embora não o fosse de direito ainda. O IBDF insistia em sua criação legal, mas a Casa Civil do governo federal, em Brasília –DF, não aprovava o seu decreto de criação com tão poucas informações sobre a área pretendida pelos técnicos do então órgão ambiental. Os funcionários responsáveis do IBDF não entendiam bem o porquê dessa atitude, afinal dos seus 385.000 hectares pretendidos para a unidade de conservação, mais de 90% eram de terras devolutas ou griladas que, excetuando a existência de quilombos – que na época não eram reconhecidos[9] – não havia um problema fundiário sério demais. O processo perambulava entre o protocolo do IBDF e Casa Civil, até que uma audiência dos interessados obteve o aval necessário para a edição do decreto federal assinado pelo Presidente João Batista Figueiredo.[10]


[1] ALTVATER, Elmar. Os desafios da globalização e da crise ecológica para o discurso da democracia e dos direitos humanos. In: HELLER, Agnes et AL. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999, p.139

[2] O projeto RADAM cataloga na Amazônia grandes jazidas na década de 1970, atraindo a atenção mundial para as riquezas minerais.

[3] WANDERLEY, Luiz Jardim de Moraes. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais em áreas de mineração: um olhar sobre a exploração de bauxita na Amazônia. Revista IDEAS, v. 3, n. especial, 2009 p. 475-509,.

[4] SANTOS, M. A Natureza do Espaço. Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo, Hucitec, [2004] 1996. 

[5] WANDERLEY, Luiz Jardim de Moraes. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais em áreas de mineração: um olhar sobre a exploração de bauxita na Amazônia. Revista IDEAS, v. 3, n. especial, 2009, p. 12

[6] Idem, Ibidem p. 14

[7] Artigo coletado na seção de notícias do ISA, O ECO, Instituto Socioambiental, http://www.socioambiental.org/uc/623/noticia/56453, link acessado em 26.10.2009

[8] Hoje resulta evidente que o que se temia, naqueles tempos, era comprometer o futuro da mineração de bauxita na região e, também, afetar uma provável hidroelétrica. O fato é que a Casa Civil levantou toda classe de obstáculos absurdos, incluindo ter o IBDF de responder à pergunta: “qual é a relação da proposta reserva com Fordlândia?”. Para isso tivemos de fazer uma resposta curta e grossa de próprio punho: “Fordlândia fica na margem direita do rio Tapajós que é afluente da margem direita do rio Amazonas; e a área da reserva biológica do Rio Trombetas fica na margem esquerda do rio Trombetas, afluente da margem esquerda do rio Amazonas, a não menos de 12 horas de barco de Fordlândia”.

[9] Esta afirmação reflete a forma como eram tratadas pelo governo brasileiro as comunidades quilombolas.

[10] Artigo coletado na seção de notícias do ISA, O ECO, Instituto Socioambiental,DF, http://www.socioambiental.org/uc/623/noticia/56453, link acessado  em 26.10.2009

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