Estado do Tapajós: uma questão de governo *

         O deputado federal Aloysio Chaves faz publicar parecer contrário à criação do Estado do Tapajós, na última edição de domingo de “O LIBERAL”, por acreditar que “não há a menor possibilidade de auto-sustentação, salvo se a União reservar-lhe durante mais de um decênio auxílio anual superior a dois bilhões de dólares”. Ora, isto faz com que nós, paraenses deste oeste do Estado, em aceitando esta proposição do ilustre parlamentar, nos esforcemos ainda mais em nossa luta para a divisão do Estado do Pará, pois pela situação econômica expressa em dólares, tão cedo não deixaremos de ser região esquecida e “pobre” , como frisou o deputado.

         Entretanto, diferentemente do que afirma o deputado em seu artigo, não se trata de “emoção e conveniência política de um grupo regional”, mas das aspirações de uma parte do povo do Pará, que inclusive, não quer deixar de ser paraense – na sua extensão mais abrangente do sentido de naturalidade (daí porque há propostas para que a denominação do novo Estado seja Pará do Oeste), – mas quer realmente constatar a ação governamental do Estado presente na sua região; povo que tem as mesmas aspirações de desenvolvimento dos demais habitantes deste nosso país no campo econômico, social, cultural, político, etc., o que aliás, lhe está assegurado na Lei Maior desta nação, mas cujas concretizações desses planos desfazem-se como a névoa, à medida que diariamente verifica-se a impossibilidade de implantação deste ou daquele projeto, por vontade política, por falta de recursos ou motivo diverso; povo como desta minha cidade de Oriximiná, que literalmente “vê o navio passar” levando o carregamento de bauxita de nosso solo, e este mesmo povo vive a choramingar ajuda das prefeituras até mesmo para realizar o seu desejo mais sagrado da alimentação à saúde; povo que para conquistar uma “posição na vida” sacrifica-se e esvai-se para a capital em busca de emprego, estudo ou outras realizações profissionais; povo que não pode se auto-administrar e isto não se dá por falta de bons governadores locais, mas sim pelas condições geopolíticas, vê seus representantes adiarem sempre nossas condições de desenvolvimento, diferirem para um futuro de “decênios” nossas possibilidades de auto-sustentação.

         No artigo, o nobre deputado discorre brilhantemente sobre a jurisprudência constitucional quanto ao exercício da soberania do Estado Federal, segundo a melhor doutrina partilhada pelo Estado Federado, com muito didatismo e função esclarecedora, o que me lembrou os meus tempos de Faculdade de Direito. Assim, gostaria de alongar as colocações do mestre, aqui com a sua permissão, mencionando a orientação de Themístocles Brandão Cavalcanti, em “Princípios Gerais de Direito Público”, 1958, pág.63, que diz: “o terceiro elemento do Estado é o Governo. Nele se concretiza o poder de imperium e o exercício da soberania”. Mais adiante: “A palavra – Governo – aproxima-se, pela analogia, de seus significados do conceito de autoridade, poder de direção, que preside à vida do Estado e provê às necessidades coletivas” (Ob. cit. – o grifo é meu).

         “Nota o professor Duguit que a palavra – Governo – pode ser considerada em dois sentidos – no coletivo, como o conjunto dos órgãos que presidem à vida política e administrativa do Estado; – no singular, como o poder executivo, “o órgão que exerce a função mais ativa na direção dos negócios políticos” (Taité de Droit Constitutionnel, vol II, págs. 785 e seguintes).

         Continua o Professor Themístocles Brandão Cavalcanti “no primeiro caso temos de incluir todos os órgãos legislativos, executivos e judiciários, que exercem os poderes inerentes à soberania, diretamente ou por delegação popular, segundo o regime político. (Ob. cit.).

         Evidentemente, as considerações acima referem-se ao Estado Federal. Entretanto, segundo a “a melhor doutrina que procura conservar aos membros do Estado Federal a qualidade jurídica de Estado”, considero a mesma orientação de nosso deputado, que aliás, é também renomado professor de Direito, a exemplo de outros aqui citados.

         Ora, ao movimento separatista que o deputado atribui “a um grupo regional”, aliam-se jovens como este autor, que das faculdades em Belém vieram para suas origens e aqui juntamente com suas famílias e empresas enfrentam os revezes governamentais, consubstanciados na ausência de quase tudo que seria a ação de governo nesta região. Verifica-se, por exemplo, a ausência de juizes nas comarcas das cidades desta região, a sobrecarga em cima das prefeituras com atribuições puramente estaduais, como exemplo temos a manutenção de escolas estaduais pelos municípios, só para mencionar alguns fatos.

         Então, diante desta ocorrências, como podemos ficar inertes à omissão governamental em nossa região? Podemos checar a existência daqueles atributos inerentes ao Governo, relatados pelos ilustres mestres do direito público internacional, na nossa administração estadual no tocante ao Baixo-Amazonas e regiões afins? Não seria essa a verdadeira razão pela qual nossos representantes legítimos tanto no Congresso como na Constituinte sua luta para a aprovação da criação deste nosso Estado do Tapajós? O povo daqui também é paraense, e como paraense quer continuar se desenvolvendo. Quem sabe uma ação efetiva do governo tivesse sido mais objetiva…

  • publicado em O Liberal, em 19.06.1988

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