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Crônica da Saudade – No Sétimo Dia

Hoje faz sete dias desde que meu pai, José Luiz Ferreira de Almeida, fez sua última viagem. Não foi no Tigre, nem no Leão, nem na balsa Leoa, muito menos no Anhanguera — embarcações que ele mesmo idealizou, construiu e comandou com orgulho nas águas do Trombetas e do Amazonas; a última ficou no imaginário, no seco, nunca molhou o talha-mar. Foi uma travessia silenciosa, sem motor roncando ou correnteza cortando. Partiu rumo ao mistério, deixando em terra firme o eco da sua história e um rastro de saudade viva.

Nascido em 21 de fevereiro de 1933, ele aprendeu desde cedo o valor das árvores, da madeira, da ferramenta e do trabalho. Em 1953, com vinte anos, seguiu para Belém em busca de estudo, carregando no peito mais sonhos que roupas. Passou antes por Abaetetuba, fez aprendizado nos estaleiros, aperfeiçoou a goiva, esmerilhou a enxó, alinhou a alma. Voltou para Oriximiná, onde fincou raízes com mãos calejadas e espírito empreendedor. No Iripixi, trabalhando com o senhor Raimundo Guerreiro, comprou as primeiras máquinas do que viria a ser a Serraria São José, marco de uma era, símbolo de força e visão. Frei Mário abençoava os primeiros empreendimentos com reza e fé indelével. Tia Assunta organizava as inaugurações de uma nova empreitada, fosse na Serraria ou no novo Clipper de Santo Antônio, no círio ou nas ferras de gado nos janeiros chuvosos do Tachi.

Ali começaram as grandes jornadas — de madeira e de vida. O Leão, veloz e destemido, desafiava os rivais nas corridas de rio, fazendo o percurso de Oriximiná a Parintins em impressionantes 11 horas, mesmo carregado de madeira. Vieram depois o Tigre, com sua bravura silenciosa, e a balsa Leoa, robusta como o nome, rasgando os rios para transportar sonhos serrados em prancharias e tacos de angelim, cedro, sucupira, jatobá e massaranduba.

Na década de 70, o negócio se expandiu até Parintins, onde, ao lado do compadre “João da Madeira”; criou uma ponte de confiança com o mercado para Recife, embarcando cargas inteiras em navios de cabotagem como o São Paulo e o Ponta da Areia, que atracavam no Trapiche Municipal. Era um evento: a cidade parava para ver os cabos de proa atados nas mangueiras do Cai-Cai, e a popa dos navios presa na famosa “mangueira do Carapina”.

Mas entre tantas partidas e chegadas, essa de agora foi diferente. Ele deixou a carpintaria, as conversas de varanda, o olhar atento às coisas simples e as viagens imaginárias. E nos deixou. Ficou a serraria em silêncio. Ficou o barco ancorado. Ficou o vazio cheio de lembranças.

E ficou minha mãe, sua companheira de vida, agora viúva, acolhida pelo carinho dos filhos. Ficou conosco, embalando a saudade no colo, ouvindo histórias, revivendo dias felizes e tristes, sonhando com os tempos em que ele voltava para casa com o cheiro de madeira e o sorriso cansado de quem cumpriu seu ofício com dignidade.

Eu, que saí de casa aos doze anos para estudar no Colégio Dom Amando, e segui por tantos caminhos — Nazaré, UFPA, CESEP, Banco do Brasil — voltei. Voltei para junto dos meus pais depois de 53 anos. Voltei a tempo de partilhar cuidados, escutar histórias, rir e silenciar com ele. E é isso que me consola agora.

Neste sétimo dia, meu pai não está ausente — ele está espalhado por tudo que fez: no madeirame de uma casa, no ronco de um motor de barco, na sombra das castanheiras do Sacuri, no vento das mangueiras, no trapiche imaginário, na alma dos filhos, na saudade da esposa.

José Luiz Ferreira de Almeida, carpinteiro de profissão, homem de honra, navegador de águas doces — que teu espírito encontre repouso entre os mestres carpinteiros do céu. E que nós, aqui na terra, saibamos seguir com teu exemplo a nos guiar, como um leme invisível nos dias de mar revolto.

Celebrando o Legado e o Futuro do Instituto Carlos Maria Teixeira

Celebrando o Legado e o Futuro do Instituto Carlos Maria Teixeira

No limiar de um novo amanhecer, o Instituto Carlos Maria Teixeira (ICMT) marca seu quarto aniversário neste 23 de Janeiro de 2024, uma data emblemática que celebra não apenas o passado, mas também o futuro brilhante que se descortina à nossa frente. Fundado em 2020, o ICMT emergiu como um farol de conhecimento e pesquisa, dedicado a perpetuar o legado intelectual de Carlos Maria Teixeira.

Este aniversário é mais do que um marco temporal; é uma celebração da união, do esforço coletivo e da paixão incansável pela busca do conhecimento. A participação ativa de todos na compilação de dados bibliográficos culmina agora no lançamento en breve de “Uma Breve Introdução à Vida e Obra de Carlos Maria Teixeira”, uma obra que não apenas honra a memória de nosso patrono, mas também serve de inspiração para futuras gerações.

O ICMT orgulha-se de ser mais do que uma instituição voltada para a pesquisa da memória cultural de Oriximiná; somos uma comunidade que acredita fervorosamente no poder da educação e da pesquisa. Nossa missão vai além das fronteiras do saber acadêmico, buscando incutir nos associados e simpatizantes de Oriximiná e regiões vizinhas a paixão pela aprendizagem e pelo desenvolvimento de uma sociedade mais justa e plural.

A jornada até aqui não foi desprovida de desafios. Cada obstáculo enfrentado fortaleceu nossa resiliência e reafirmou nosso compromisso com a excelência. A colaboração entre professores, alunos e a comunidade criou um ambiente fértil para a inovação e o crescimento intelectual, refletido não só em nossas publicações, mas também na qualidade excepcional de nossos programas de pesquisa e ações estratégicas da divulgação da cultura trombetina.

Ao olharmos para o futuro, estamos animados com as infinitas possibilidades que se abrem diante de nós. O ICMT continua comprometido em ser um pilar de apoio para todos aqueles que buscam expandir seus horizontes. Nosso compromisso com a pesquisa de ponta, a educação inclusiva e a promoção de uma sociedade mais equitativa permanece inabalável.

Neste dia de celebração, convidamos a todos para refletir sobre o caminho percorrido e sonhar com as conquistas que ainda estão por vir. Juntos, seguimos escrevendo a história do Instituto Carlos Maria Teixeira, uma história de dedicação, inovação e, acima de tudo, de um compromisso indelével com o futuro.

Parabéns, ICMT, por seus quatro anos de realizações e que venham muitos mais, repletos de sucesso e contribuições significativas para o mundo do conhecimento e para a sociedade.

Resumo da vida do CMT

Carlos Maria Teixeira foi uma figura significativa na história e desenvolvimento da região de Oriximiná no Brasil. Sua vida e obra foram cruciais para o crescimento econômico e transformação social da área.

Teixeira, um imigrante português, chegou ao Brasil no início dos anos 1860. Estabeleceu-se na região do Rio Trombetas, especificamente na área que mais tarde se tornaria Oriximiná. Sua chegada coincidiu com um período de transformação econômica na região do baixo Trombetas. Teixeira foi fundamental na criação de várias atividades comerciais, como a construção de igarités (embarcações locais), comércio de castanha do Pará e instalação de estivas (instalações portuárias fluviais).

Uma de suas realizações notáveis foi o estabelecimento de um porto de lenha para abastecer navios a vapor, o que melhorou significativamente a navegação no Rio Trombetas. Sua visão e habilidades empreendedoras levaram à construção de embarcações melhores na região, atendendo às necessidades da indústria de navegação local. Ele também se aventurou na exportação de igarités para Portugal, superando desafios logísticos e encontrando sucesso no mercado europeu.

O envolvimento de Teixeira no comércio de castanha do Pará marcou sua entrada em outro setor comercial importante. Apesar de enfrentar vários desafios, ele conseguiu consolidar sua posição no mercado, contribuindo significativamente para a economia local. Seus interesses comerciais diversos também se estenderam ao comércio de estivas, onde ele desenvolveu uma robusta rede comercial conectando diferentes regiões e mercados.

Sua vida pessoal também foi igualmente interessante. Teixeira inicialmente teve um relacionamento com Maria da Conceição do Carmo, com quem teve três filhas. Posteriormente, casou-se com Anna Almeida, que era irmã de seu genro, Raymundo José de Almeida. Essa extensa família desempenhou um papel significativo no tecido social de Oriximiná.

As contribuições de Teixeira se estenderam além do comércio. Ele esteve envolvido na construção da comunidade, incluindo o estabelecimento de uma capela em Urua Tapera com o Padre Nicolino e comerciantes locais. Suas interações com várias figuras, incluindo o Padre Nicolino Pereira de Souza e o engenheiro francês Henry Croudeau, também destacam seu papel como líder regional e influenciador.

Em resumo, Carlos Maria Teixeira foi um empreendedor pioneiro e uma figura chave no desenvolvimento de Oriximiná. Seu legado é evidente no crescimento econômico da região e nas estruturas sociais que ajudou a estabelecer. Sua história é um testemunho do impacto que um indivíduo pode ter no crescimento e desenvolvimento de uma comunidade.

Domingos Almeida: Uma Crônica de Saudade e Eternas Aventuras

Era uma vez um cara chamado Domingos Almeida, mais afetuosamente conhecido como “Tio Dô” ou simplesmente Dominguinhos. Sua partida brusca, há cinco anos, deixou um vazio imensurável, mas também um legado de memórias vivazes que perduram como estrelas no céu noturno. Domingos era a personificação da aventura, um companheiro de jornadas inesquecíveis, cujo espírito irrequieto deixou marcas indeléveis nos corações daqueles que o conheceram e partilharam vivências.

A vida ao lado de Domingos era uma tapeçaria de experiências ricas e variadas. Desde pilotar lanchas em missões corajosas até dirigir em estradas longínquas da Argentina, cada dia ao seu lado era uma aventura em si. Ele tinha a habilidade única de transformar o ordinário em extraordinário, de tornar o dia a dia uma sequência de momentos memoráveis. Sua partida, abrupta e prematura, veio como um choque, interrompendo uma saga de vida que parecia longe de terminar.

A cada 19 de janeiro, no aniversário de Domingos, os sentimentos de saudade se intensificam. Esse dia, outrora um marco de festividades e alegria, transformou-se em um momento de reflexão profunda e homenagem. Lembro-me de sua mãe e pai, personificações do amor e da saudade silenciosa. O pai, perdido em seus pensamentos ao lado do rio, possivelmente espera por um vislumbre de Domingos retornando em sua lancha, enquanto a mãe encontra solidão em suas orações e missas rogando uma eternidade de benesses ao filho amado.

Domingos não era apenas um irmão; ele era um mentor, um amigo, e um companheiro de aventuras sem igual. Sua ausência é sentida em cada conversa, em cada decisão difícil, e em cada momento de silêncio reflexivo. Como seria ele enfrentando os desafios atuais, como a pandemia, esta modernidade líquida e dinâmica? Sua natureza desafiadora e sua habilidade de inventar soluções criativas para os problemas da vida moderna continuam a inspirar os que por aqui ficaram.

Os anos passaram, mas a presença de Domingos permanece tão forte quanto sempre foi. Suas histórias são contadas e recontadas, cada uma mantendo viva a chama de seu espírito aventureiro. No silêncio da noite, às vezes parece que posso ouvir sua risada, sentir sua energia inesgotável, relembrar suas histórias cheias de emoção e coragem.

Domingos vive agora não apenas na memória, mas também no legado que ele deixou. Ele nos ensinou a abraçar a vida com entusiasmo, a enfrentar os desafios com coragem e a viver cada dia como se fosse uma aventura única. Sua ausência é um lembrete constante do quão preciosa é a vida e do impacto que uma única alma pode ter no mundo.

Neste dia, quando recordamos seu natalício, reafirmamos a promessa de honrar a memória de Domingos. Ele pode ter partido deste mundo, mas sua essência, suas aventuras, e seu amor pela vida continuam a nos guiar. Dominguinhos, Domingos Almeida, “Tio Dô”, permanecerá para sempre um símbolo de alegria, coragem e amor incondicional.

Assim, enquanto houver lembranças para serem compartilhadas, enquanto houver aventuras para serem vividas, o espírito de Domingos Almeida continuará a nos inspirar. Pois, em cada aventura que embarcamos, em cada risada que compartilhamos, e em cada história que contamos, lá está ele, o eterno amigo e parceiro de aventuras, vivendo através de nós. Fique em paz, meu irmão, sabendo que seu legado é eterno!

As Nicolinarides

“As Nicolinarides” é uma homenagem poética épica que percorre as viagens e a vida do Padre Nicolino. Em três cantos extensos, a saga desenrola-se como um manto de aventura, fé e descoberta pelas terras amazônicas. Cada canto abraça uma das viagens do padre, descrevendo com riqueza de detalhes as paisagens, os desafios e a profunda espiritualidade que o moviam.

No Canto I, somos introduzidos à jornada desafiadora do padre, marcada pelo encontro com a vastidão da floresta e a grandiosidade dos rios Trombetas e Cuminá. A narrativa nos leva através de cachoeiras, índios, e a contínua busca por expandir a fé cristã. O canto termina com uma reflexão sobre o legado e a imortalidade de suas ações e crenças no coração da selva.

O Canto II aprofunda a jornada do Padre Nicolino, detalhando as paisagens e perigos enfrentados. Aqui, a poesia flui como os rios que ele navegou, descrevendo cada curva, cada cachoeira e cada encontro significativo. As estrofes capturam a essência do desafio e da descoberta, mostrando como o padre e seus companheiros se deparavam com o desconhecido e o sobrenatural, mantendo sempre a fé como seu norte.

O Canto III encerra a epopeia com um tom mais introspectivo e espiritual, refletindo sobre o significado mais profundo das viagens do padre. Ele não apenas navegou pelos rios e caminhou pelas florestas, mas também percorreu um caminho de autoconhecimento e serviço divino. O canto finaliza com uma celebração do eterno percurso do Padre Nicolino, que, embora tenha partido deste mundo, continua navegando pelos rios e selvas nas memórias e corações daqueles que conhecem sua história.

“As Nicolinarides” é uma obra de João Bosco Almeida, que celebra a coragem, a fé e a incessante busca por conhecimento e compreensão. É um tributo àqueles que se aventuram além das fronteiras do conhecido, movidos por uma missão maior e um amor inabalável pela humanidade e pelo divino.

“Nicolinarides” é um título fictício criado para se referir a uma obra poética épica ou uma série de narrativas sobre as viagens e experiências do Padre Nicolino, conforme retratado no poema extenso fornecido anteriormente. Este título é uma alusão a como os antigos poemas épicos eram intitulados, muitas vezes terminando em “-íades” (como a Ilíada ou a Odisseia), indicando uma grande saga ou jornada.

No contexto fornecido, “As Nicolinarides” seria uma construção poética para enaltecer as jornadas do Padre Nicolino, transformando suas viagens missionárias e experiências na região da Amazônia em uma narrativa épica. A palavra em si não parece ter um significado histórico ou literário específico fora do contexto criado aqui e serve como um título imaginativo para celebrar a figura histórica e suas aventuras.

AS NICOLINARIDES

Canto I

Em terras de vasto verde e rio a correr,

Padre Nicolino, homem de fé a percorrer,

Nas águas do Trombetas, em canoa a deslizar,

Em missão de descobertas, a Deus a confiar.

Com Tenente ao lado, a selva adentraram,

Rumos desconhecidos, juntos enfrentaram.

Rios e cachoeiras, desafios a vencer,

Na densa floresta, o amanhecer.

No Cuminá Grande, em 76 se lançaram,

Nas águas agitadas, destemidos remar,

Entre índios e natureza, histórias a tecer,

No coração da Amazônia, seu espírito a crescer.

Em 77, o segundo chamado, a aventura reacender,

Padre Nicolino, incansável, volta a percorrer.

Com novos companheiros, a viagem reiniciar,

No labirinto verde, seu caminho a traçar.

De Óbidos a Uruá, a jornada se expandir,

Entre tempestades e estrelas, o destino a seguir.

Com fé inabalável, em terras de mistério,

Cada passo no selvagem, um novo desafio sério.

Em 82, a terceira viagem, um chamado do coração,

Com esperança e coragem, enfrentando a imensidão.

Mas o destino, caprichoso, uma trama a tecer,

No curso do rio, um adeus a acontecer.

No crepúsculo da vida, em terras tão distantes,

Padre Nicolino se despede, entre cantos de avantes.

No seio da floresta, sob o céu anil,

O missionário descansa, seu espírito gentil.

Cada linha escrita, um legado a deixar,

De uma vida dedicada, em rios a navegar.

Na memória da floresta, seu nome a ecoar,

Padre Nicolino, eternamente a iluminar.

Por serras e vales, sob o sol escaldante,

Sua missão de fé, corajosamente avante.

A história de um homem, na selva a vagar,

No coração da Amazônia, seu eterno lar.

Assim narram os rios, as árvores a sussurrar,

A saga de um padre, em busca de amar.

Nos caminhos indígenas, sua marca a deixar,

Padre Nicolino, sua história a brilhar.

Entre os cantos dos pássaros, o vento a assobiar,

A lenda de um homem, que veio para amar.

Na imensidão verde, sob a lua a brilhar,

Seu espírito vive, nas águas a se espalhar.

E assim, nas páginas do tempo, sua jornada a gravar,

Três viagens, três histórias, um legado sem par.

Padre Nicolino, de fé e coragem sem igual,

No coração da floresta, um eterno ideal.

Canto II

Pelos caminhos das águas, sob a bênção do céu,

Padre Nicolino, o missionário, com seu papel.

No Trombetas, ele começou sua jornada,

 Em canoas frágeis, pela correnteza abraçada.

Primeira viagem, era 1876, e ele partiu,

De Óbidos a Uruá, sua esperança se expandiu.

Nas águas do Ageréua, sua canoa a deslizar,

E no maravilhoso Trombetas, a aventura a começar.

O Cuminá Grande, perigoso e misterioso,

Com cachoeiras bravias, o caminho sinuoso.

A Cachoeira do Inferno, com seu rugido assustador,

E a Ilha das Lages, com seu silêncio encantador.

Passou pelo Jaraucá, na busca incansável,

E no Macaco, a natureza inabalável.

Na Serra do Taurino, seus pensamentos a voar,

E no Sumaúma, os segredos do rio a desvendar.

Segunda viagem, era 1877, ele retornou,

Com novos companheiros, a floresta ele adentrou.

De Uruá-Tapera ao salgado beijo do rio,

Em cada volta e meandro, um novo desafio.

Passou pelo Japiim, na solidão da noite,

E no Murapí, sentiu a floresta em seu açoite.

Pelas Andorinhas e o Castanhal a se perder,

Na Paciência, a sua fé a fortalecer.

E veio a terceira, em 1882, a última vez,

Com coragem no coração, e na alma, lucidez.

Do Muratapera, ele partiu novamente,

Nas águas do Cuminá, adentrando corrente.

No Jamacá a noite caiu, estrelas a guiar,

E no Japiim, os mistérios a continuar.

A Serra do Sarnaú e o Igarapé Grande a cruzar,

Na busca incessante, seu sonho a realizar.

Mas na curva da vida, um trágico final,

No Cuminá, sua missão teve o último ritual.

Na floresta densa, seu corpo foi descansar,

Mas seu espírito na selva continua a vagar.

Pelos rios e serras, cachoeiras e matas,

Padre Nicolino vive nas águas pratas.

Em cada pedra e árvore, sua história a entoar,

Nas páginas do tempo, ele continua a navegar.

O Trombetas, o Japiim, o Urucuiana a chamar,

Cada nome, cada lugar, tem uma história para contar.

Na memória das águas, sua lenda a fluir,

Padre Nicolino, eternamente a seguir.

Canto III

Em terras de além, do Trombetas ao Cuminá,

Padre Nicolino ousou desbravar e amar.

Pelas selvas e rios, uma cruz a guiar,

Seu manto sagrado, na floresta a ressoar.

Ao Jamacá partiu, no sumir do dia,

O murmurar das águas, sua única companhia.

Passou pelo Igarapé, grande e misterioso,

Sua fé inabalável, seu passo vagaroso.

No repouso do guerreiro, sob a lua a brilhar,

Em terra de gigantes, ele veio a acampar.

Na cachoeira do Inferno, o rugir a espantar,

Mas sua missão divina, não podia falhar.

Em cada passo incerto, em cada novo lugar,

Os nomes dos rios, vinha ele a batizar.

Pela Serra do Sarnaú, pelo leito do Parú,

A natureza selvagem, seu espírito seduziu.

Sob o céu estrelado, na vastidão sem fim,

Pensamentos elevados, trazidos pelo serafim.

No Igarapé-panema, o silêncio a falar,

Nas águas cristalinas, seu reflexo a procurar.

Na busca incessante, por almas a salvar,

Entre índios e mistérios, foi ele a navegar.

As tribos encontradas, histórias a partilhar,

Na língua dos nativos, começou a conversar.

Em cada nova aldeia, uma lição a aprender,

Com cada nova face, um novo ser a reconhecer.

Pelo rio Cuminá, seu barco a deslizar,

A missão do sacerdote, era ensinar e amar.

Nos campos e nas serras, no sol a se pôr,

No canto dos pássaros, encontrou seu louvor.

Nas noites de descanso, sob o manto a rezar,

Pedia por proteção, para o caminho continuar.

O encontro com o gigante, Konduri a temer,

Nas águas revoltosas, o medo a aparecer.

Mas forte em sua crença, não deixou de crer,

Que Deus em sua glória, iria proteger.

Nas terras do Cuminá, histórias a tecer,

Entre mitos e verdades, o que iria acontecer?

Cada serra e cada rio, um novo desafio,

Mas o padre destemido, não conhecia o frio.

Com cruz e com terço, enfrentou a solidão,

Nas selvas amazônicas, levou sua oração.

E quando a noite caía, ao fogo a contemplar,

Pensava em sua terra, distante a esperar.

Mas não era só tristeza, que o seu coração guardava,

Era também a beleza, que na jornada encontrava.

Pois em cada folha verde, em cada flor a desabrochar,

Via a mão do Criador, a natureza a louvar.

E assim seguiu viagem, pelo mundo a pregar,

No Brasil profundo, foi ele a caminhar.

Pelos rios, pelas matas, pelo céu a clarear,

Padre Nicolino segue, em verso a eternizar.

Com coração valente, enfrentou tempestade,

Na selva imponente, encontrou sua verdade.

Em cada canto escuro, uma luz a brilhar,

Sua fé iluminando, o caminho a trilhar.

Por entre índios e feras, por Deus a guiar,

Seu nome nas eras, sempre a ecoar.

Em cada pedra e rio, em cada novo olhar,

Sua história vive, no verde a ondular.

Padre Nicolino, de alma ardente e pura,

No seu divino ofício, encontrou aventura.

Pelas águas do Trombetas, pelo Cuminá a desbravar,

Seu legado nos convida, a explorar e a sonhar.

Cem estrofes de viagem, cem histórias a contar,

Pelo padre corajoso, que ensinou a amar.

Que seu espírito guie, nossa própria jornada,

E que possamos encontrar, a paz tão almejada.

Assim termina o poema, mas a história não tem fim,

Pois em cada coração, o padre vive assim.

Pelas selvas e rios, pelo céu a clarear,

Padre Nicolino, eternamente a navegar.

(Oriximiná, Pará, dezembro de 2023)

UMA BREVE INTRODUÇÃO A VIDA E OBRA DE CARLOS MARIA TEIXEIRA

……. (prévia do livro)

1. Introdução

Quando Carlos partiu de Lisboa no final do ano de 1861, a bordo do brigue Ligeiro 2º, não imaginava o que ia encontrar pela frente. Só sabia que queria vir para o Brasil e nada mais. Até parecia que estava fugindo de alguma coisa ou de alguém… Queria explorar novos horizontes, ansiava por novidades nas terras do Brasil. Em janeiro do ano seguinte, o jovem português já estava desembarcando no cais de Belém, no Pará, seguindo depois para Óbidos, onde começaria sua vida como caixeiro viajante, o destino da maioria dos imigrantes europeus e nordestinos arribados para as grandes barrancas do rio Amazonas. Carlos teve atuação destacada na região do rio Trombetas no início da década de 1860, quando o atual município de Oriximiná ainda era território de Óbidos, no oeste do Pará. De lá pra cá só aumentam as menções ao nome desse jovem comerciante português que na época do regime imperial muito contribuiu para o desenvolvimento econômico da região, em suas várias atividades comerciais desde o entreposto de lenha (combustível para os navios a vapor), a exploração do fabrico da castanha do Pará, do estaleiro de fabricação de igarités, venda de pranchas de itaúba, comércio de estivas, padarias, dentre outras como criação de gado.

Os feitos e memórias do português Carlos abarca também extensa prole que se expandiu nas cidades da região, revelando sua importância para denominar a principal rua da cidade de Oriximiná a desde sempre Carlos Maria Teixeira. Entretanto, quanto mais avançava a pesquisa e entrevistas mais ficava claro que ainda mais se necessita pesquisar com detalhes sobre suas origens e realizações para que o nome de Carlos Maria Teixeira ocupe o real destaque que merece na pátria dos filhos de Oriximiná.

A ideia da elaboração deste livro se justifica no sentido de compartilhar o que já se sabe sobre a origem de Carlos, instigar a insatisfação intelectual nos estudiosos trombetinos e possibilitar o surgimento de ações para estimular o estudo mais aprofundado sobre a vida e obra de Carlos Maria Teixeira, com mais pesquisas e validações das inúmeras memórias factuais, seja na oralidade, seja nos registros históricos que ainda hoje habitam o imaginário dos oriximinaenses, descendentes ou integrantes da comunidade local.

Neste particular, estamos com Luc Ferry, filósofo francês, para quem é preciso agir “tomando a psicanálise como modelo, ela (a História) nos promete que é dominando cada vez mais nosso passado e praticando a autorreflexão em altas doses que vamos compreender melhor nosso presente e melhor orientar nosso futuro”.

Que belo futuro nos aguarda ao adentrarmos nessa breve introdução à vida e obra de Carlos Maria Teixeira e poder revivificar as memórias e causos do nosso imigrante primeiro nas terras do Uaracis.

Nas memórias, a oralidade não deixa vínculo gravado a não ser na psique de cada um de nós. Até mesmo a memória popular é reprodução da visão de mundo do falante, daquele que usa seu tempo a mais para reproduzir histórias ouvidas de outras pessoas narrando um fato ou comentando conversas ouvidas em família, ou serões hoje em dia tão escassos diante da modernidade.

E ao repetir a cisma diária, o ser humano delimita sua espacialidade, sua temporalidade, seu modus vivendi. São essas reflexões que se busca por objeto com o lançamento desta obra, permitir o surgimento das críticas, dos comentários que antecedem as memórias e oralidades, ainda que forem para contestar afirmações aqui contindas ou acrescentar mais obras e assuntos sobre o Carlos nestas páginas.

Façamos como  Ortega & Gasset, filósofo espanhol, que dizia que “o mundo sou eu e minhas circunstâncias… o mundo começa a partir de mim…”;  ou, da minha aldeia, cantada em versos como o chileno Pablo Neruda, ou em prosa como Machado de Assis, ou ainda em rabiscos originários como nosso Guruxy,[1] que afirmou: “Foi um esforço de 27 anos e 11 meses de trabalho, tempo em que estivemos à testa da Agência Municipal… do IBGE, em Oriximiná. Desde então vínhamos concatenando dados, entretanto, sem pensar em escrever um livro… com certeza haverá alguém queocriticará,o que não afetará o orgulho de sermos os primeiros filhos dessa linda terra que se chama Oriximiná, abençoada por Deus e por Santo Antonio, seu padroeiro, que levará ao conhecimento de seus filhos e de outros brasileiros o que é esta cidade que há 45 anos teve a sua emancipação política e, agora, é uma das mais desenvolvidas dentre as suas congêneres na região… desejamos que outro oriximinaense, nosso descendente ou não, mas com igual ou maior amor, procure, mais tarde melhorar o nosso trabalho. A semente está lançada.”

            2. A Chegada dos primeiros comerciantes na chapada do Uaracis

No dia 29 de maio de 1862, Carlos foi a Belém, e chegando ao porto, se dirigiu ao Grêmio Literário Português, agremiação criada pelos patrícios com a finalidade básica de dar suporte aos imigrantes lusitanos que vinham de Portugal na busca pela exploração das terras do Pará. A sede do Grêmio na rua Manoel Barata, ainda está no mesmo local e ainda hoje abriga um acervo memorável de mais de trinta mil livros além de registros históricos indispensáveis para confirmar as chegadas e partidas dos portugueses nos portos do Pará.

Está lá, na ficha nº 1.286, preenchida de próprio punho por Carlos Maria Teixeira, aos 23 anos de idade, o registro da sua chegada ao Pará no dia 30 de janeiro de 1862, fixando residência na cidade de Óbidos, Pará.

Na segunda metade do século XIX a região do baixo Trombetas passa por uma transformação econômica que vai definir o surgimento de várias comunidades importantes no seu curso em razão de ser corredor natural entre os municípios de Óbidos e Faro, os dois únicos naquela época que ficavam no que se diz hoje a Calha Norte do rio Amazonas, no Oeste do Pará.

(publicado em 8.12.2023; continua na próxima semana…)


[1] Anthymio Wanzeler Figueira, in Apresentação do Livro Oriximiná,  em 1994.

O OURO DE VEXAMINÁ

Nenhum deus havia de querer aquele padre, sem dó nem piedade da gentilidade que habita as cercanias de Uraxá; cruel, ganancioso e dissimulado, que se fazia de “eré” diante dos nativos, para saber o caminho da capela de ouro nas matas de Vexaminá, rio que banha as terras de Uraxá. Assim pensava Mango, índio das barrancas do rio, sobre aquele religioso miserável. Todo ano na vazante era a mesma coisa, lá vinha o tal padre querendo saber onde “havia de ter mais índio para a catequese”, “pra levar os índios embora e ficar preso na cidade trabalhando na igreja… pra formar uma associação de proteção dos índios… para receber ajuda do governo da província”. Essa viagem não tinha volta… Dessa vez ele vai se arrepender de vir perturbar aqui na floresta… Vai ver que era por isso que os “manos” índios fugiam sempre que o barco dos “brancos” subia o rio…

Neste ano vai ser diferente, resolveu Mango. Se o padre chamar de novo, eu vou… mas, vou pra aprontar, pensou. Nem bem as águas baixaram, lá vinha o desgraçado do padre em busca da ajuda dos negros e índios do Vexaminá. Além dos nativos, dessa vez o padre tinha outro inimigo pela frente: Konduri, deus de todas as coisas, no céu e na terra resolveu agir para tentar impedir essa invasão nos castanhais e rios de Uraxá, e o desterro de seus filhos das matas do Vexaminá.

O padre queria recrutar os nativos guiar seu barco rio acima. “Venham, meus irmãos em Cristo! … venham participar do evangelho e salvar suas vidas…”, clamava o padre ao desembarcar no porto de Mango. A gentilidade se reunia no terreiro da casa de Mango para ouvir aquela historia contada pelo padre. Falava de almas, de Cristo, de uma cruz de madeira, de pregos, de subir aos céus… Era assim todo setembro, mês que ainda se ouvem os sinos e o foguetório ecoando pelos castanhais, revivendo a saga de outro jesuíta tardio, morto pela cobiça e avidez das almas conquistadas.

Mango lembrou da velha história que seu pai repetia, contada por seu avo, o velho Fragata. Nela, Konduri ainda mantinha preso nas cavernas do Vexaminá o espírito do padre Nico, jesuíta audacioso, destemido, perseverantemente e bastante corajoso para se enfurnar naquelas matas contaminadas pelos mosquitos da malária. Porque reviver o cenário já há muito esquecido pelos indígenas de Uraxá? Não guardam boa recordação os massacres em nome de Cristo praticados pelos europeus no século XVIII, quando as tropas de resgates atingiram o rio das Trombetas e enveredaram pelo rio Vexaminá, como os franceses chamavam este rio, até as cachoeiras.

Naquele tempo, os portugueses diziam que havia tanto índio no grande rio das amazonas que se pusessem em açougue não ia faltar. Os religiosos disputavam com o povo e governantes a posse dos índios cativos, em guerra justa, no resgate ou pelo descimento. Acumularam riqueza e ódio. Aquela feita de adornos, fazendas de cacau e gado, igrejas e poder de vida e morte sobre os nativos despojada quando partiram na expulsão pombalina. Este sentimento paira por séculos e séculos, gotejando nos espíritos inquietos que navegam por sobre as florestas, especialmente nos castanhais do rio Vexaminá.

Mango achava que ia acontecer o mesmo com este novo padre bisbilhoteiro. Era uma questão misteriosa para Mango tentar entender o que se passava na mente de Padre Lino. Ele acabara de chegar da Europa, após anos no noviciado e formação sacerdotal. Com umbigo enterrado nas areias da cidade de Faro, vizinha de Uraxá, não demorou muito pela capital, cuidando logo em ser removido para as bandas do rio das Trombetas.

Padre Lino tinha sangue cabano mesclado com índia. Nascera nos recessos da luta desbragada travada pela posse das almas. Expulsos do epicentro da cabanagem que arrefecia no interior da provínica, muitos valentes arribavam as barrancas do Amazonas, indo bordejar as terras de Uraxá. Nas centelhas e faíscas do amor e ódio nativo presente no jugo indígena rebenta a placenta de uma nova vida. Reduzido a um convento religioso na infância, não demonstra sentimentos nativos; afeito aos estudos das obras religiosas, logo pega gosto pelo latim, poder e voz, informação e morte.

Subindo e descendo os rios de Uraxá, Padre Lino repete a história sem se dar conta da litigiosidade contida nas almas indígenas. A oralidade dos gentios, como chamavam os jesuítas para os índios, era prenhe das mazelas que os brancos tinham aplicado nas suas gentes. Na vizinha Faro, houve a maior rebelião indígena que se tinha notícia no mundo das florestas de Vexaminá. Aliás, os Uabois e Pauxis lá tiveram seus desencontros, resultando nessa miscigenação formadora da atual gentilidade. Todo esse imaginário foram sendo repassados por várias gerações. Revoltas, emboscadas e infortúnios ainda o aguardavam mais dias menos dias.

Mango sabia que naquelas eras faltava gente para o trabalho nas lavouras e pastoreio de gado. As ervas, o cacau e as fazendas de gado exigiam trabalho árduo e constante para manutenção de uma vida em harmonia com a natureza e o ciclo das águas, quando não sob o jugo do colonizador, travestido de governante ou religioso. O imperador lá do governo central havia dado liberdade aos negros e a nação ainda não estava pronta para arcar com tudo isso sozinha. Na região amazônica, renovaram-se as tropas de resgate ao sertão em busca do indígena, em busca das almas para o descimento religioso. O europeu colonizador não era do braço, de fazer o serviço pesado, mas do ócio, da libertinagem, da ganância e opressão. Era a ralé da classe nobre decadente que vinha para o novo continente apostar o saber do ocidente, contra a pajelança dos nativos, vencendo algumas vezes na violência da técnica, perdendo quase sempre no decurso do tempo, pela avareza diante do invencível avanço das luas, com uma noite de entremeio, outras caindo diante das defesas naturais da biodiversidade natural, aqui uma cobra, ali um mosquito, acolá uma onça, uma febre, uma reza, depois encomendação das almas.

Os comerciantes de Óbidos não tardam em financiar Padre Lino nos moldes do passado jesuítico quando a alma indígena era monopólio da Companhia de Jesus. Divididas pelas ordens religiosas as terras do Estado, as de Uraxá pertenciam aos Capuchos da Piedade e Franciscanos. Mas, o modus operandi era o mesmo dos jesuítas. Travestidos de protetor dos índios, chamavam a si a responsabilidade de chefiar os resgates e com honra religiosa faziam a partição dos resultados conseguidos na viagem.

De terço em terço nutriam a fé e a empresa; para uns rezavam enquanto noutros separavam. Era uma parte do governo, outra dos comerciantes e outra mais para a aldeia, a cargo dos religiosos. Assim Padre Lino sai em busca dos meios irmãos cuidadosamente financiado pela ganância dos comerciantes e pela fé. Mango se espantava quando suas idéias lhe davam tais conclusões. Bastava lembrar-se das histórias de seu pai para lhe avivarem as idéias sobre esse passado não escrito.

Quanta vontade de estudar para saber escrever suas visões e memórias já vividas, ao longo das era, pensava consigo Mango. Mas, um dia aprendo as letras de carreirinha eu vou contar tudo o que sei e já vi acontecer por aqui. E continuava a lembrança da velha história… Na curva do rio Vexaminá, o primeiro aviso para Padre Lino: a frota de três canoas sofre perda parcial com o brusco desaparecimento de uma delas, com tripulação e mantimentos fulminados pela força das águas em redemoinho gigantesco. Gritos, rezas e pulos n’água não bastaram para aplacar a fúria de Konduri. Ele sabia das intenções do novo jesuíta…

A ordem de Padre Lino foi cumprida. Logo encostaram a dupla de naus e imediatamente foi erguida uma cruz e se puseram a rezar. Ali foi a primeira missa e encomendação das almas para os infelizes náufragos. Lá ficaram ossos e rezas ecoando pela eternidade em busca da salvação.

Manhã seguinte, melhor sorte tiveram os navegantes e andou bem a empreitada de Padre Lino. Reconheceram pelo nome alguns parentes dos índios remeiros e batizaram outros tantos lugares pela nomenclatura do religioso, agora treinado na Europa para registrar em diários as ações da viagem exploratória.

Nas voltas do tempo também Konduri acompanhava com seu séqüito os invasores da floresta de Uraxá. Nada ia ser como antes, quando os nativos eram subjugados pela cruz de cristo e se apresentavam dóceis ao trabalho nas aldeias. O espírito bom e quieto dos nativos havia aprendido as mazelas dos brancos, a maldade e astúcias do velho mundo, presente em demasia nas gentes degredadas trazidas para povoar o território de El Dorado.

Konduri decidira não perdoar as injustiças praticadas pelos jesuítas no século passado, nem em qualquer tempo. Afinal, cabia a ele decidir os assuntos de sua gente. Ainda se lembrava dos cadáveres de índios cativos jogados n’água quando não suportavam os maus tratos dos capitães de bordo durante a viagem ao Pará; dos restos humanos espalhados nas praias quando deliberadamente os infelizes pulavam dos igarités para a morrer nos dentes das piranhas e jacaré… Apantos, Aroaeses, Omáguas, Abuís e tantas outras nações já haviam desaparecido nas mãos dos religiosos e capitães de tropas de resgate.

Desta vez não! Konduri sabia o que Padre Lino estava buscando e para onde se dirigia. Para isso, trovejou um aviso aos espíritos da floresta a preparar exemplar recepção ao religioso, dar as boas vindas àquele que vinha buscar algo mais do que novas almas…

No terceiro dia a expedição religiosa para descimento de almas indígenas padeceu as agruras lançadas pelos revoltados espíritos. De repente, a correnteza do rio muda de sentido e joga cachoeira abaixo, a segunda canoa de remeiros, intérpretes de índios e mantimentos da viagem. Foram setenta metros de pânico, borbulhas revoltas, pedras pontiagudas e vôos livres para estatelar nas rochas escuras do leito do rio os corpos de mais doze almas libertas da nefasta missão.

Novo desembarque, nova missa e outro funeral. O caminho do padre parecia um calvário de almas. Agora só uma canoa conduzia o perseverante Padre Lino. “Sem fé, nada se constrói, nada se conquista. Sejamos fervorosos na missão para conversão das almas de nossos irmãos nativos” dizia o padre aos quatro homens e duas mulheres que restavam a bordo.

Começa a agonia da missão. Konduri mudava as embocaduras dos rios a cada manhã. Ao final da tarde, Padre Lino marcava no seu mapa o percurso do dia, tendo o cuidado de registrar as referências geográficas e pontos cardeais. Conferia com os sinais discretamente codificados nas páginas da sua inseparável bíblia. Havia um roteiro a seguir desde o início da viagem. Pela manhã, qual era o desespero do Padre Lino e seus acompanhantes quando encontravam à esquerda uma ilha que no dia anterior estava à direita da praia onde acampavam.

Não era possível o que estava acontecendo! Tinha que haver uma explicação! – argumentava Padre Lino. Não se podia tratar de uma provação, porque não estava ele buscando nada contra as sagradas escrituras, pensava o religioso. Nem era preciso dizer que o temor se alastrava pelas ingênuas almas dos expedicionários. Padre Lino decretou o fim de tudo isso. Percebeu que podia ser alguma reação dos céus por causa do real propósito da missão. Precisava ter certeza de tal imaginação. Afastou-se do grupo alegando precisar orar sozinho.

Konduri acompanhava tudo do alto de uma nuvem. Os espíritos de Uraxá estavam animados e confiantes na sua liderança. Tinha chegado o juízo final, o dia do acerto de contas com aquela gente exterminadora dos indígenas.

Padre Lino sentou debaixo de uma grande castanheira e rezou. Pediu perdão por seus pecados e sangrava os joelhos quando um ouriço de castanha despencou atingindo-o na cabeça. Levantou-se e viu bem à sua frente a porta da caverna com o sinal da cruz dos jesuítas. Entrou, e viu as maravilhas da riqueza terrena. Ao longo das paredes da caverna, diligentemente arrumadas umas sobre as outras, pequenas barras de ouro com o selo da coroa portuguesa do século XVII; adornos de altar, obras de arte e pinturas que guarneciam as igrejas dos jesuítas; relatos escritos e muitos mapas de localidades conhecidas da província.

Mapas dos quais viu cópias nos seminários europeus por ocasião dos estudos religiosos. Vinha a sua mente a conversa que teve com o velho mestre francês… Era tudo verdade. Pensou em remover uma pedra que estava à sua direita. Mas, antes, precisava conferir uma informação na sua bíblia. Procurou e achou que nada tinha sido em vão. Rezou e pediu perdão mais uma vez pelas vidas perdidas na falsa missão religiosa, agora revelada.

De repente, levou um susto tremendo! Relutou ao tentar passar por sobre uma pedra maciça e quase leva um tombo ao tropeçar num caixão que surgiu à sua frente. Removeu a poeira da cruz jesuítica, e afastou a tampa de lado: outro susto! Um brilho revelou uma roupeta dourada que ainda protegia um corpo intacto. Passou a mão e limpou a marca do tempo e pode contemplar o santo padre jesuíta Carvalho de Melo, jazendo há mais de cem anos, com uma carta sobre o peito. Leu e chorou…

O macaco de tiro certeiro obedece fielmente às ordens de Konduri. Nada foi retirado da caverna, nada de lá saiu, nem o padre. Até hoje se ouvem os sinos tocando a sinfonia dos castanhais, adornada pelo foguetório na alvorada dos dias de agosto a novembro, infinitamente.

Sobre o pensamento alargado na ACEOR e no BANCREVEA

Por oposição ao espírito “limitado “, o pensamento alargado poderia ser definido, num primeiro momento, como aquele que consegue arrancar-se de sí para se “colocar no lugar de outrem “, não somente para melhor compreendê-lo , mas também para tentar, num momento em que se volta para sí, olhar seus próprios juízos do ponto de vista que poderia ser o dos outros. Luc Ferry, in Aprender a Viver, pág 281, Objetiva, 2007,RJ.

Seria utopia esperar 38 anos para colher os primeiros frutos de tâmaras nas barrancas do rio Trombetas, mas ainda ressoam no tempo as palavras profetizadas naquele dia 15 de junho de 1985, no salão nobre da Sociedade Recreativa Bancrévea, quando Helcio Amaral e sua comitiva vieram de Santarém para prestigiar, juntamente com os demais associados, a posse da primeira diretoria da Associação Comercial de Oriximiná, a ACO.

O confrade do Tapajós deitou palavras sobre a capacidade associativa dos seres humanos que nos momentos de perigo, ao invés de separarem-se, buscam quase sempre a união para manter a sobrevivência da espécie, tema tão presente quanto necessário para estes novos tempos mudancistas em curso na minha terra trombetina.

O filósofo francês Luc Ferry nos ajuda a entender como agir diante de uma situação aparentemente sem saída, onde o espírito limitado permanece envisgado em sua comunidade de origem a ponto de julgar que ela é a única possível ou, pelo menos, a única boa e legítima.  Não colhe bons frutos aquele que semeia ventos, já ensinavam os antigos patriarcas, da mesma forma que diante da dificuldade, o espírito alargado consegue, assumindo tanto quanto possível o ponto de vista de outrem, contemplar o mundo como espectador interessado e benevolente. Aceitando descentrar sua perspectiva inicial e arrancar-se ao círculo do egocentrismo, ele pode penetrar nos costumes e nos valores diferentes dos seus; em seguida, ao se voltar para si mesmo, tomar consciência de si de modo distanciado, menos dogmático, e com isso enriquecer suas próprias ideias.

Há 38 anos dizíamos das consequências da liberdade e perfectibilidade dos humanos em evoluir na sociedade diante dos desafios enfrentados pelo Estado, que torna o individuo um ser contribuinte de impostos (lembrem-se da reunião no Bancrévea contra a saga de um agente da Fazenda Estadual), noutra tônica um paciente nos hospitais e ainda em outra um cidadão do mundo.

 Em todos os cenários, haverá sempre a liberdade e a capacidade de agir diferente dos animais em busca da perfeição da vida em sociedade, o que resolvemos chamar de nossa historicidade, criando entidades impessoais para granjear recursos logísticos, monetários, capital social, o surgimento quase sempre de novos cenários, novas possibilidades culturais, enfim, tecnologias que nos permitem uma vida mais saudável em todos os quadrantes.

Com o passar dos anos a ACO se tornou Associação Comercial e Empresarial de Oriximiná, incorporando o aspecto empresarial na sua denominação para abrigar no quadro associativo toda a gama de inteligência modificadora de recursos com vistas à agregação de valor a serviços e produtos, além de uma das mais antigas atividades do ser humano, o comércio.

Nessa toada, gostaria de resgatar em cada um dos associados da ACEOR a ideia primeira do processo associativo que os faz se mover, diariamente em cada um dos seus locais de negócios, a energia da força empresarial de Oriximiná no sentido de resgatar o palco da natividade para transformar aquele espaço em um Centro de Convenções da Cidade, buscando na força primeira dos associados a fonte legítima da legalidade numa primeira parceria público privada, uma vez que assim como a municipalidade, muitos de nós, somos parte também do quadro originário da Sociedade Recreativa Bancrévea.

Nosso presidente Brunoro Giordano certamente pode contar com nosso apoio para esse mais novo mister sugerido nestes 38 anos de ACEOR! 

João Bosco Almeida, 1º presidente da ACO

Tio Dô, ainda lembro…

No dia 19 de janeiro de 2020 finalizei com esse parágrafo a singela homenagem que fazia pelo natalício do meu irmão Domingos Almeida, vítima de uma brutalidade no trânsito da cidade que lhe ceifou a vida: “Assim tentando resumir os feitos dos teus anos na terra acabo por admitir a imensidão das tuas ideias e vontades de viver. Partistes cedo irmão, mas nunca tardarão os tempos e espaço para registrar o ciclos da brilhante vida que fizestes. Hoje, podes contemplar os teus do alto morro da Saudade, ao lado dos nossos antepassados, debaixo da mangueira eterna dos fundadores da cidade…”

Ontem, 7/6/23, registramos o quarto ano da sua passagem nestas paragens terrenas e desde lá estou encafifado com lembranças das nossas conversas sobre as expectativas do que pode acontecer com a gente no futuro, de repente ou de forma mais planejada.

Ainda lembro sobre como seus amigos e parentes lhe alcunhavam nos últimos anos na forma reduzida e carinhosa como está no título desta pequena crônica, para em seguida relatar mais uma de suas realizações em prol de um feito singular ou inusitado que só tio Dô podia fazer ou já ter realizado, como ter participado pilotando uma lancha levando a polícia na busca e apreensão de um notório agafanhador de gado na região do paraná de Dona Rosa, no vizinho Juruti; noutra memória vem maravilhas dos causos nas viagens para sul do Brasil e Argentina, com sua companheira Raquel, na boleia dos caminhões modernos que gostavas de dirigir.

Tio Dô, melhor Dominguinho como te chamavam os irmãos, posso dizer que já se tornou hábito meu lhe visitar todas as vezes que retorno a nossa cidade, talvez para tentar ouvir bem de perto o que você ainda não me contou em detalhes, ou uma história engraçada que tenhas esquecido de me falar ou ainda as novidades desse novo mundo que habitas desde aquele fatídico 7 de junho.

Como já percebestes daí de cima, nossa cidade tem passado por mudanças radicais que lembram muito nossas conversas sobre o que era preciso fazer para Oriximiná ser referência na Calha Norte.

Ainda lembro de prometer a você que passaria o resto dos meus dias buscando ser feliz e honrando nossa família, especialmente a memória dos nossos antepassados, como nossos pais continuam fazendo até hoje. Fique em paz meu irmão e até o próximo momento de lembranças póstumas.

O avanço do capim nas roças de mandioca

        No inicio da semana estivemos visitando a região do planalto, para saber mais sobre o que aconteceu por lá após a chamada imigração nordestina para aquela florescente região agrícola e para nossa enorme surpresa, deparamo-nos com uma desertificação de gente e muita presença de pastos, restos de castanhais secos agonizantes, campos cercados entremeados de capoeira e muito poucas roças de mandioca.

       Na verdade, a planta base da farinha só visualizamos em alguns roçados às margens dos lagos e rios das regiões do Castanho e Salgado, Cuminá. Por essa razão, vale a pena, especular o que aconteceu após a chegada de mais de cem famílias nordestinas na década de 80 para o planalto, na estrada do BEC, em Oriximiná, como resultado de uma estratégia de levar pessoas sem terras com saberes da agricultura para uma região de vastas terras e pouca gente, então um quase nada de plantação agrícola nessa região Trombetina da Amazônia.

      Nos anos que findaram o século XX, os resultados da maneira de trabalhar a terra por esses imigrantes não demoraram a aparecer nas feiras e mercados da cidade, trazidos pelos caminhões da prefeitura, havia muitas sacas de arroz, feijão, milho, farinha e até cacau.

      Tobias da Silva, morador do km 9, da estrada BR 163 , apelidada “estrada do BEC”, diz que “a nossa produção era muito boa, a de arroz mantinha uma descascadeira funcionando aqui em casa, a gente produzia o arroz integral…Até café e cacau essa gente do nordeste plantou aqui em Oriximiná”. Quanta memória aliada a um saudosismo produtivo presente nesse depoimento do cearense de Baturité.

       Saberes de um povo que dominava a técnica da plantação que se perderam ao longo das décadas passadas, mais pela falta de um planejamento setorial dos órgãos afetos à atividade agrícola do que pela presença do homem na labuta da terra e suas fainas diárias, tudo isso muito antes dos programas de apoio ao homem do campo que estão disponíveis hoje em dia , como energia elétrica, internet e linhas regulares de transportes tanto para os alunos no trecho casa-escola-casa como no escoamento da produção.

       O que se ouve por lá para justificar o grande desestímulo aos imigrantes para continuarem na agricultura foi a cooptação dos agricultores para integrar “as sociedades com gado” de alguns prefeitos anteriores, momento em que a política do toma lá dá cá o voto, se materializou na retenção do capital do sócio proponente, sob a gaiata alegação de que os semoventes foram obtidos na origem por desvio de verbas públicas.                 

        Assim, poderia ser validada a dicção moral do ladravaz com perdão centenário, dito de outra forma na região para censurar os amigos do alheio, no caso, da verba pública malversada.

        Pior do que o crime contra a administração pública foi o desserviço prestado por essas gentes despreparadas, afetando gravemente o os braços disponíveis para a agricultura, atividade econômica fundamental para desenvolvimento e manutenção das famílias no campo, sustentáculo de qualquer célula na sociedade civil.

       A prova maior de que uma roça de mandioca ainda é mais viável economicamente para o desenvolvimento das famílias veio da declaração da dona Leotina Souza, que “semana passada nós levamos 120 sacas de farinha para a feira do Produtor… com essa roça, já pagamos a escola do nosso filho e compramos três rabetas…”, comemorando a promessa da atual administração que vai garantir a mecanização do processo do fabrico da farinha de mandioca.

         O capim ainda avança na Estrada do BEC, mas tem os dias contados se vingar a atual política do prefeito Fonseca, de apoio às famílias que se dedicam à agricultura, até porque, historicamente as populações das vilas do interior de Oriximiná estão aprendendo na pele, que o gado esvazia o campo quando beneficia o proprietário que na maioria das vezes fica na cidade, fator maior do grande êxodo rural, enquanto a agricultura fixa as pessoas ao sagrada solo que abriga e protege para o resto das suas abençoadas vidas.

         Por mais roças de mandioca no município de Oriximiná!