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A cerâmica arqueológica da região de Oriximiná

Seguindo um velho ditado popular na região que diz: “na terra preta tem careta”, o inglês Peter Paul Hilbert e sua mulher Eva Hilbert passaram anos pesquisando e catalogando as “caretas” encontradas na região de Oriximiná na década de 50. De volta à Europa, a datação científica informa a época provável de 5.000 antes de Cristo para sua origem. Mais uma civilização desconhecida na Amazônia, mais uma área de pesquisa histórica à espera dos arqueólogos, mais uma cerâmica que precisa ser conhecida pelos nativos da região, e porque não dizer, outro potencial turístico a ser divulgado.


Peter Hilbert foi o primeiro e último a estudar a cerâmica dos “Konduri” como foi batizada por outro estrangeiro, o alemão Curt Nimuendaju, que a partir de 1923 estudou detalhadamente a cerâmica dos Tapajó, na cidade de Santarém. Frederico Barata, em A Arte Oleira dos Tapajó, também fez referências aos achados arqueológicos na região do Tapajós e Trombetas, no século passado. Lemos em Tupaiulândia, obra prima de Paulo Rodrigues dos Santos, a aparente casualidade dos achados de “caretas” nas ruas de Santarém, o que despertou a curiosidade dos habitantes e especialmente do antropólogo alemão que já havia se radicado nas matas do Mato Grosso, para estudar os Guarani, inclusive tendo adotado o apelido do tuxaua da tribo, Nimuendaju, para substituir o sobrenome Unkel. Os estudos de Nimuendaju publicados na Europa são determinantes para a vinda do casal inglês para região de Oriximiná, no longínquo ano de 1952, especialmente no vale dos rios Trombetas e Jamundá, como ele chamou para o atual Nhamundá, chegando inclusive a pesquisar também em Terra Santa e Faro.


É material de pesquisa indispensável para os estudiosos da região. Há uma empresa mineradora que assumiu encargos legais de patrocinar a retirada desse material arqueológico por pessoas habilitadas antes de descapar a floresta e sugar o solo vermelho da bauxita. O conhecimento destes elementos históricos pela população e classe estudantil deve ser móvel suficiente para estimular a pesquisa e também fiscalizar as práticas salvadoras do espólio cultural dos Konduris. Elemento produzido pelos antepassados da região, a cerâmica arqueológica de Oriximiná vem integrar a categoria diferenciadora e identificadora culturalmente da região do baixo amazonas paraense.

A Fundação Ferreira de Almeida, OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) atuante em Oriximiná, iniciou ciclo de palestras sobre A Cerâmica Konduri nas escolas da cidade, despertando a curiosidade dos professores e interesse dos alunos na busca de suas origens. Como resultado desse trabalho, Fátima Guerreiro, professora do Sapucuá, lago natural margeado pela Serra Cunuri, descobriu uma descendente da tribo dos Cunurizes que ainda sabe manejar o barro com cauixi – desengordurante natural -, e está organizando um Festival Konduri para o mês de junho próximo.

Faltam mais estudos e motivações aos nativos para se informar do conhecimento necessário das suas raízes, e a partir dessa matriz do saber local estruturar as bases da defesa do desenvolvimento regional. Mas, a iniciativa da Fundação Ferreira de Almeida e da Prof. Fátima, devem ser apoiadas pela Prefeitura Municipal de Oriximiná através de sua Secretaria de Cultura, na pessoa de outro não menos devotado pelas raízes de Oriximiná como é o Secretário Adélcio Correia Júnior.

É digno de registro um trecho extraído da obra do Professor Paulo Rodrigues dos Santos, para reforçar a tese da arqueologia regional desconhecida onde pairam as tibiezas e ignorâncias das lideranças em resgatar nossas raízes como forma de valorização da nossa gente. “…outro colecionador foi Artur Liebold, comerciante alemão da cidade, que chegou a reunir vários espécimes, não somente dos tapajós, como de outros índios do Amazonas. Sua viúva vendeu a coleção ao Dr. Ubirajara Bentes de Souza que, com carinho e incrível
paciência, continuou a aumentar a coleção, sendo hoje (1965) o maior possuidor de cerâmica e objetos indígenas de várias procedências. Verdadeiro museu valendo muitos milhões de cruzeiros…” (Tupaiulândia, 2ª ed. Belém,1972 ,pág. 320)


Foi com essa carga de informações e detalhamento que Hilbert, municiado pelas instituições estrangeiras em convênio com o Museu Paraense Emílio Goeldi, passou dois anos coletando material, estudando o meio de vida da região e registrando para a posteridade em seu A Cerâmica Arqueológica da Região de Oriximiná, (Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, nº 09, Instituto de Antropologia do Pará, 1955), mapas, desenhos, e suas conclusões sobre mais esse elemento cultural de uma civilização amazônica.


* texto publicado em O Liberal no ano de 2001, por João Bosco Almeida, Advogado e autor do livro KONDURILÂNDIA-FFA.2001.

Discurso de Posse na ALAO

Discurso de posse do Acadêmico João Bosco Almeida, na Academia de Letras e Artes de Oriximiná, Pará, em 13 de maio de 2023.

Sr. Presidente, senhoras e senhores desta ilustre assembleia de instalação da ALAO

Caros Confrades e Ilustre Confreira,

Com as bênçãos divinas e honras deste mundo,  devo iniciar o ingresso na vida acadêmica da trombetinidade ensaiando uma análise filosófica no espaço-tempo em que se formaram as letras primeiras da nossa gentilidade, qual sejam, as interpretações do espírito de Caco Konduri, meu antecedente no agon literário, artífice das palavras no soneto URAXAMINA:

Na preta e funda água bela,

Medita a pedra, sentinela posta.

Vento insufla do Omágua a vela,

A quantos nativos a história enrosca.

Exala a mata a seiva enxuta,

Regaço cativo, a terra preta;

Sagrado ídolo no solo avulta

Apantos vivos… é só careta.

O rio lamina o ferro, a quilha,

A terra culta, barro quebrado.

Semântico leito dá nome a filha

Selo remoto cola calado

Lapidar gemido a língua fará:

Uraxamina, Uradimina, Oriximiná.

Nesta abertura espaço-temporal vê-se Caco Konduri, sentado nas pedras do Iripixi, elemento passante do multiverso literário contemplando as naus lusitanas da expedição de Francisco de Orellana, em 1542, descendo o rio Amazonas, de Quito, no Perú a costa do Amapá, indo até a ilha de Trinidad e Tobago, trazendo a bordo o escriba Carvajal a registrar as Icamiabas… (faço aqui um reminiscência familiar: quando escrevia o livro Kondurilândia, meu filho pequeno diz: “pai, Carvajal, Portugal, Carnaval.. “foi Carvajal, lá em Portugal, que alarmou a Corte Real,,,, índia mulher, no além-mar… a morte quer, quer te encontrar… foi Carvajal…).

Lá também escreveu Carvajal o nome do rio das Trombetas dos portugueses, bem assim: Vrixamina…

Para Harold Bloom, americano que se destaca como o maior da língua inglesa na crítica às obras de Shakespeare, diz que “a nossa definição clássica daquilo que o sublime literário reivindica pode ser encontrada nas sentenças iniciais de The Romantic Sublime, 1976, de Thomas Weiskel: A alegação essencial do sublime é que o homem pode, no sentimento e na LINGUAGEM, transcender o humano. O que se encontra além do humano, se é que algo se encontra além – Deus ou deuses, o demônio ou a Natureza -, é objeto de grande divergência. O que define a esfera do humano, se algo é capaz de fazê-lo, provavelmente não é menos indisputável”.

Mas, é preciso delimitar nossa fala, nosso discurso para a realização, para o fazer… e me dirijo especialmente aqueles que não laboram o fazer, alegando culpas de outrem…

Neste ponto me socorre o filósofo do martelo, Friedrich Nietzsche, em um dos seus vários livros, O Crepúsculo dos Ídolos, citado pelo francês Luc Ferry, no livro Aprender a Viver… “Quando o anarquista, como porta-voz das camadas sociais em decadência, reclama com toda  a indignação, o “direito”, a “justiça”, os “direitos iguais”, ele se encontra sob a pressão de sua própria incultura que não entende por que, no fundo, sofre… Há nele um instinto de causalidade que o força a raciocinar: é preciso que seja culpa de alguém se ele está tão pouco à vontade… essa “grande indignação” já lhe faz bem, é um verdadeiro prazer para um pobre-diabo poder injuriar, ele encontra nisso uma leve embriaguez de poder…”

Para os acadêmicos que personificam este sodalício trago outra reflexão nietzschiana, em A Vontade de Poder: “a grandeza de um artista não se mede pelos “bons sentimentos” que ele suscita”, mas reside no grande estilo, quer dizer, na capacidade de se “tornar senhor do caos interior; em forçar seu próprio caos a assumir a forma; agir de modo lógico, simples, categórico, matemático, tornar-se lei, eis a grande ambição”.

De volta às pedras do Iripixi, sentado naquela onde há uma gravura rupestre, ele vê, a chegada dos navegantes europeus e brasileiros que singraram as “plúmbeas águas trombetinas”, no dizer do Padre Nicolino, em seu diário, no ano de 1876.

Viu passar por lá no ano de 1852, Domingos Soares Ferreira Pena, que a mando do Governo Imperial, cumpriu uma missão de coleta das informações estatísticas para avaliação da Região Ocidental da Província do Grão-Pará, quando aqui não existia nada, apenas uma chapada, o rio Cachoeri media 60 braças e havia 3.500 cabeças de gado no lago Sapucuá. Diz-se, nesse momento que já então se falava na separação do imenso território denominado Grão-Pará… mas, isso é um assunto para outra história das nossas gentes.

Lá também viu chegar um português, com 23 anos, Carlos Maria Teixeira, que acabara de chegar de Lisboa naquele 30 de janeiro de 1862, a bordo do brigue Ligeiro 2º, se dirigiu para Óbidos a fim de iniciar a vida como caixeiro viajante…

Viu as 3 viagens de Pe Nicolino, em 1876, 1877 e 1882…

Em 1893, viu a chegada do engenheiro Gustavo Tocantins;

Em 1894, viu a chegada do tenente Lourenço Valente do Couto…

E em 1925, a expedição dos Drs. Picanço Diniz e Avelino Oliveira.

Também de lá, já no final do século XIX, viu as canoas de Henri Coudreau sua mulher Otilia, que em suas viagens exploratórias registrou a boa acolhida que o monsieur Carlos Maria Teixeira lhe proporcionou, em 1895 registrados no livro Voyage au Trombetas, hoje vivo nas memórias e vidas de seus descendentes. Henri Coudreau faleceu em viagem no rio das  Trombetas e foi enterrado ali mesmo, bem próximo as pedras do Iripixi.

O tempo encobriu os fatos só agora descortinados pela pesquisa e trazidos pela literatura… dizia o filósofo alemão Jurguen Habermas (93 anos), que: “a linguagem e a literatura são o endereço da liberdade”.

Nas memórias, a oralidade não deixa vínculo gravado a não ser na psique de cada um de nós… mesmo a memória popular é reprodução da visão de mundo do falante, daquele que usa seu tempo a mais para pensar… E ao repetir a cisma diária, o ser humano delimita sua espacialidade, sua temporalidade, seu modus vivendi… por estas razões, nas minhas primeiras intervenções diante dos alcaides antecedentes da municipalidade enfatizava e ainda faço agora, a fala de Ortega & Gasset, outro filósofo, desta vez, um espanhol para quem “o mundo sou eu e minhas circunstâncias… o mundo começa a partir de mim…”, da minha aldeia, cantada em versos como Pablo Neruda, em prosa como Machado de Assis, em rabiscos originários como nosso Guruxy, onde bebi as primeiras linhas da historiografia trombetina, segundo suas próprias palavras: “Foi um esforço de 27 anos e 11 meses de trabalho, tempo em que estivemos à testa da Agência Municipal… do IBGE, em Oriximiná. Desde então vínhamos concatenando dados, entretanto, sem pensar em escrever um livro… com certeza haverá alguém que o criticará, o que não afetará o orgulho de sermos os primeiros filhos dessa linda terra que se chama Oriximiná, abençoada por Deus e por Santo Antonio, seu padroeiro, que levará ao conhecimento de seus filhos e de outros brasileiros o que é esta cidade que há 45 anos teve a sua emancipação política e, agora, é uma das mais desenvolvidas dentre as suas congêneres na região… desejamos que outro oriximinaense, nosso descendente ou não, mas com igual ou maior amor, procure, mais tarde melhorar o nosso trabalho. A semente está lançada…” in Apresentação do Livro Oriximiná, de Grouxy, em 1994.

“A quantos nativos a história enrosca?” muitos e tantos serão aqueles que acordarão da ignorância das coisas deste mundo!

Mediando o espaço terra-floresta estamos pisando em vastas camadas de produção culturais antecedentes da nossa gente. Chama a atenção a quantidade de fósseis e outras manufaturas deixadas pelas nações que nos antecederam aqui mesmo nestas paragens… São prenhes de mensagens, ícones e significados outros quando imaginamos uma civilização dinamizando nestas terras que nos receberam para mais esta etapa da nossa existência, daí o sagrado, daí a vivência… mas,  quando esses artefatos arqueológicos não são associados à vida, quando não se dá o devido respeito para essa riqueza cultural que aflora…. então, é só careta mesmo! Como alí no “valão do Lameira…”

Neste ponto quero registrar o grande feito para a cultura trombetina que foi o evento de inauguração do Museu Konduri, com a exposição Olhos da Terra… uma grande visão de futuro ! Parabéns a todos envolvidos nessa tarefa!

Chegando ao final do momento introspectivo eis que Caco Konduri elege o caminho das águas, as ruas da floresta, dos igapós, que recebem os navios (o ferro), a quilha (os lemes) que lhes dão o fluxo e direção da vida, carreando as riquezas rio abaixo.

Lembra-se aqui também os feitos do inesquecível e heroico negro Balduíno Melo, com sua visão submersa via o “ferro de bobuia”, que tantas vezes ouvi narrar nas viagens para a várzea da Boa Vista, no processo de curanderia do gado envenenado pelas folhas de “gibata”, aguardando o “purgante do Velho Balduíno” para salvatagem bovina.

            Das várias nações indígenas na região, Aroases, Apantos, Uabois, Pauxis, Omáguas, Wai-Wai, ao longo do tempo uma vai preterindo outra, de modo que os Cunurizes, batizaram uma das serras das cercanias do lago Sapucuá…(ligado pelo rio Cunurizes (atual Nhamundá) ao Vrixamina, Uradimina, Urudimina, Trombetas) foram escolhidas pelo casal dos ingleses Peter Hilbert, que por aqui passaram na década de 60, para estudar as muitas “cerâmicas” daqui levaram cerca de 35 mil peças (caretas) e material similar… Kurt Niemundajú e João Barbosa Rodrigues, cientistas, que visitaram o rio das Trombetas, afirmam que levaram caixas e caixas com mais de 10 mil artefatos cerâmicos e fossilizados para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Umas 3 mil peças da arqueologia do rio Trombetas foram parar no Museu Metropolitano de Nova York.

As razões do saber guardadas neste sodalício que se instala hoje serão motivos de muitas e muitas outras reviravoltas nas histórias das nossas gentes.

Mais ainda serão aqueles que virão aqui retirar as camadas do saber arqueológico acumulado pelo tempo, como dizia outro francês, Michael Foucault, na sua brilhante Arqueologia do Saber, que tem como objetivo especificar um método de investigação para entender a ordem interna que constitui um determinado saber, quer seja um saber da nossa trombetinidade, quer seja um saber filosófico mais apurado.

Foi assim, na contracapa do livro Kondurilândia – idéias e registros na gênese da nova unidade federativa no oeste do Pará, que veio a público o soneto de Caco Konduri, estreando uma noite com mais de 70 autógrafos, ali, no Restaurante Jacitara, de boas recordações, no longínquo abril do ano 2000.

Que sejamos felizes nesta convivência acadêmica!

Muito Obrigado!

A ERA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO RIO TROMBETAS – PARTE 1

Para responder às demandas internacionais o Estado brasileiro precisava reordenar seus territórios ambientais em conformação com a nova ordem mundial. A discussão sobre a sociedade de risco surge com o debate atômico, bem antes da questão ecológica.[1] A questão era saber quem estava protegendo seus recursos naturais para que ou para quem? O movimento ambientalista global se expande e atinge os países periféricos atribuindo a cada um deles uma importante missão na configuração global dos novos poderes instituídos. A formalidade do processo democrático se mantém, mas a ideologia não é mais nativa, pois foi substituída por novas demandas externas aos nossos interesses. Grandes áreas na Amazônia são mapeadas detalhadamente por sistemas informatizados em todo o planeta.[2]

 Na pesquisa que justificasse a criação das grandes áreas de conservação na região do rio Trombetas, encontramos indícios no texto de WANDERLEY[3], para quem as grandes corporações mineradoras buscam criar, nas localidades onde se instalam, uma nova racionalidade, por meio de um ordenamento territorial, que lhes permitirá o exercício “seguro” de suas atividades produtivas. Para tanto, estimulam o processo de institucionalização, isto é, a criação de territórios ou o rearranjo de velhos limites com finalidade de normatizar o uso e a circulação espacial por meio da institucionalização ou normatização dos territórios.[4]

 E colhe-se mais informações com WANDERLEY para dizer sobre os conflitos gerados pela criação das UCs no rio Trombetas[5] onde os territórios das áreas de preservação representam a mais conflituosa transformação no ordenamento territorial local, ao sobreporem terras tradicionalmente ocupadas e redefinirem as práticas espaciais permitidas aos povos tradicionais e aos novos migrantes. A livre circulação e uso no entorno mineral pode significar uma ameaça ao capital, tendo em vista a possibilidade de formação de beiradões (comunidades formadas por migrantes em busca de trabalho nas imediações de um grande projeto), podendo levar a revoltas populares ou à apropriação das áreas com incidência de minérios e especulação imobiliária por corporações ou pessoas físicas.

 O principal conflito existente no espaço do entorno mineral em Oriximiná refere-se ao reordenamento territorial promovido pelo Estado por indicação e lobby da MRN nas décadas de 1970 e 1990, que resultaram na delimitação de duas UCs. Essa política de criação de territórios institucionalizados pretendia o controle social sobre o espaço e sobre os indivíduos do entorno. Trata-se de um conflito ambiental, no qual os dois lados competem por recursos naturais e suas significações, um lado visando à reprodução social e o outro, à preservação ambiental.[6]

 Digno de registro o relato colhido no site do Instituto Socioambiental – ISA[7], para entendimento e compreensão de como se dava as atividades de proteção ao meio ambiente na Amazônia, bem antes do modismo ambiental. Atente-se para a preocupação do governo federal ao criar a unidade de conservação, hoje revelada por funcionários do próprio órgão fiscalizador, onde se verifica a forte influência do poder global (acionistas do grupo minerador) na gestão do poder local (agentes de fiscalização do órgão ambiental).

 Em 1970, a proteção dos tabuleiros de desova de tartarugas de rio passou a ser uma atribuição do então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão que tambémera o responsável pela gestão das unidades de conservação do Brasil. Em 1975, o pioneiro nos estudos de ocorrência desses animais na Amazônia, José Alfinito, chamou a atenção para a necessidade de se proteger os tabuleiros de desova da tartaruga de rio (Podocnemis expansa) e principalmente daqueles que foram posteriormente englobados pela reserva biológica do Rio Trombetas; pois, na ocasião, se tratava dos tabuleiros onde havia a maior desova de tartarugas, dentre todos os conhecidos.

 É fato que a criação da reserva biológica do Rio Trombetas[8] vinha sendo indicada pelo projeto RADAM Brasil, que já propunha o estabelecimento de várias áreas protegidas para a Amazônia, e fora aprovada pelo Polamazônia em 1975. Assim, a área passou a funcionar como uma reserva biológica de fato, embora não o fosse de direito ainda. O IBDF insistia em sua criação legal, mas a Casa Civil do governo federal, em Brasília –DF, não aprovava o seu decreto de criação com tão poucas informações sobre a área pretendida pelos técnicos do então órgão ambiental. Os funcionários responsáveis do IBDF não entendiam bem o porquê dessa atitude, afinal dos seus 385.000 hectares pretendidos para a unidade de conservação, mais de 90% eram de terras devolutas ou griladas que, excetuando a existência de quilombos – que na época não eram reconhecidos[9] – não havia um problema fundiário sério demais. O processo perambulava entre o protocolo do IBDF e Casa Civil, até que uma audiência dos interessados obteve o aval necessário para a edição do decreto federal assinado pelo Presidente João Batista Figueiredo.[10]


[1] ALTVATER, Elmar. Os desafios da globalização e da crise ecológica para o discurso da democracia e dos direitos humanos. In: HELLER, Agnes et AL. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999, p.139

[2] O projeto RADAM cataloga na Amazônia grandes jazidas na década de 1970, atraindo a atenção mundial para as riquezas minerais.

[3] WANDERLEY, Luiz Jardim de Moraes. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais em áreas de mineração: um olhar sobre a exploração de bauxita na Amazônia. Revista IDEAS, v. 3, n. especial, 2009 p. 475-509,.

[4] SANTOS, M. A Natureza do Espaço. Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo, Hucitec, [2004] 1996. 

[5] WANDERLEY, Luiz Jardim de Moraes. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais em áreas de mineração: um olhar sobre a exploração de bauxita na Amazônia. Revista IDEAS, v. 3, n. especial, 2009, p. 12

[6] Idem, Ibidem p. 14

[7] Artigo coletado na seção de notícias do ISA, O ECO, Instituto Socioambiental, http://www.socioambiental.org/uc/623/noticia/56453, link acessado em 26.10.2009

[8] Hoje resulta evidente que o que se temia, naqueles tempos, era comprometer o futuro da mineração de bauxita na região e, também, afetar uma provável hidroelétrica. O fato é que a Casa Civil levantou toda classe de obstáculos absurdos, incluindo ter o IBDF de responder à pergunta: “qual é a relação da proposta reserva com Fordlândia?”. Para isso tivemos de fazer uma resposta curta e grossa de próprio punho: “Fordlândia fica na margem direita do rio Tapajós que é afluente da margem direita do rio Amazonas; e a área da reserva biológica do Rio Trombetas fica na margem esquerda do rio Trombetas, afluente da margem esquerda do rio Amazonas, a não menos de 12 horas de barco de Fordlândia”.

[9] Esta afirmação reflete a forma como eram tratadas pelo governo brasileiro as comunidades quilombolas.

[10] Artigo coletado na seção de notícias do ISA, O ECO, Instituto Socioambiental,DF, http://www.socioambiental.org/uc/623/noticia/56453, link acessado  em 26.10.2009

Rio das Trombetas

(Trechos de abertura do 5º livro de João Bosco Almeida)         

       

            A peça exige um lugar onde se faz acontecer os fatos, palco das emoções, razão das disputas etc. . E já no início encontramos holandeses, franceses e ingleses  comerciando com os índios na boca do Trombetas, ensinando a eles essa milenar arte de levar vantagem.

            Mas, começa também com uma fantasia pura, como diria Gastão Cruls, em Amazônia que eu vi, se referindo ao Padre Nicolino.[1]  Na cena da cupidez humana o padre vigário teria sido alvo fácil. O escritor de bordo do Marechal Rondon nos diz do espanto e dúvida que se apoderou de sua alma, ao saber da crença da capela dourada descoberta pelo Padre Nicolino. Teria o religioso, nosso herói oriximinaense, realmente mascarado seus propósitos da catequese indígena para partir em busca do vil metal?                  

            Se tinha uma coisa que me intrigava desde menino, ainda no tempo da professora Zezé [2], era aquela história que se repetia todo ano no “Programa da Festa de Santo Antônio”, sobre as origens de Oriximiná. Era um tal de roçado no araçazal que esvoaçavam abelhas e zangão para acabar nas minas de praia que não tinha fim… “…foi no ano de 1977 que Padre Nicolino, desembarcou com seus fiéis e fez um grande roçado na praia abarrotada de araçazais… o topônimo significa o macho da abelha… e na corruptela das minas de praia……”  A velha e nova mania de dar significado a tudo e a todos.

            Não dava para ser mais original, trocar o parágrafo, inverter o período…??? todo ano era a mesma coisa… Mas, o que me incomodava era que parecia que Padre Nicolino não tinha muito o que fazer, pegava uns paroquianos em Óbidos e partia para o Rio Trombetas. Depois de remar cerca de 4 horas, avistava aquela praia de araçazal e mandava todo mundo descer, faziam o roçado e depois rezava a missa… Bem ao estilo do que nós engolimos a história do Brasil. Era preciso ousar mais. Os fatos exigiam explicação… o resultado de toda essa descoberta estava ali, bem presente, na frente de todos: a cidade, a gente, a economia que pulsava, o poder funcionava, removia tudo…a separação do estado, com a criação do Estado do Tapajós.

            Voltando àquele passado significante, Cruls registra que “diziam mesmo que as viagens do Padre Nicolino, que por três vezes se abalançou por águas do Cuminá, traiam o incentivo oculto de procurar tais riquezas. De tudo isso me ficou, porém, uma pálida e confusa idéia, tão vagas e fragmentárias eram as alusões que se me fizeram a respeito. Mas o assunto me interessava e a ele voltei mais tarde.

            Por bondade de um amigo, tive então sob os olhos, satisfazendo-me plenamente a curiosidade, certo artigo do Sr. José Carvalho, sob o título O Padre Nicolino e a sua lenda, publicado há alguns anos na Folha do Norte. Diz o autor, reportando-se à tradição, que o padre tivera notícias dos tesouros do Cuminá, quando no seminário europeu, lera o tal roteiro a que já aludimos e que se referia ao Brasil. Em nota do próprio punho, aditada à cópia do seu artigo, que nos foi enviada de Belém, o Sr. José Carvalho teve a gentileza de esclarecer que esse tesouro, quiçá existente na bacia do Cuminá, teria sido ali abandonado ao tempo em que alguns jesuítas, residentes em Belém, à sua ordem de expulsão do Brasil, procuravam ganhar por terra as Guianas Holandesas, partido de Óbidos e levando consigo as suas riquezas. Se as dificuldades de tão longa e rude travessia forçaram-nos ao alijamento de tão preciosa carga, viera-lhes o cuidado de traçar um roteiro da sua viagem, justamente aquele que, muitos anos mais tarde, cairia entre as mãos do Padre Nicolino. Quer ainda a fábula que o Padre, da sua terceira investida por águas do Cuminá, haja finalmente encontrado o tesouro. A sua descoberta ter-lhe-ia custado a vida. De tudo o que se amontoava ali em ouro, prata e outras preciosidades, emanavam vapores asfixiantes e gases deletérios que em pouco lhe foram fatais.

            Era o eldorado imaginado pelos contemporâneos do Padre Nicolino. Entre a morte do religioso nas serras de Urucuiucana, no tronco de uma castanheira, e a publicação do artigo em Belém no ano de 1920, foi construída uma lenda, estimulada pela Igreja, claro. Havia muito interesse, como há, de se criar heróis… principalmente os mártires, aqueles que morrem por uma causa. E no nosso caso a causa ainda pode estar perdida… 

            Mas, voltemos ao palco do teatro Oriximiná. A cultura konduri, que resolvemos cognominar é aquela que resulta da mesclagem desses sangues e suores ao longo dos anos. No início, era a terra…quer dizer, eram os rios…

            Assim como hoje a Amazônia é identificada pela floresta que tem, naquela época, os lugares eram conhecidos pelos rios. Eram mapeados os rios e as nações indígenas, se buscando registrar os nomes de acordo as características mais marcantes, como as trombetas que os habitantes do rio Uraxamina[3] usavam para se comunicar, fez originar o nome de Rio das Trombetas, hoje somente Rio Trombetas.

            No século XVIII, é Mauricio de Heriarte, provedor-mor e auditor do governador D. Pedro de Mello, que nos informa quem já estava por aqui na chegada dos europeus. No livro Descripções do Estado do Maranhão e do Rio das Amazonas , estão as primeiras informações etnográficas, dizendo ser o rio “mui povoado de índios de diferentes nações, como são Conduris, Bobuis, Aroaes, Tabaos, Curiatos e outros muitos; e todos tem os próprios ídolos, cerimônias e governo que tem os Tapajós… as terras destes rio das Trombetas (que os Portugueses lhe deram este nome pelas muitas trombetas de que seus moradores usam para se comunicar) tem finíssimo barro, de que fazem muito e boa louça de toda a sorte, que entre os Portugueses he de estima, e a levam a outras províncias por contrato”[4].

            Para situar melhor o leitor nesta viagem, vamos ver o que acontecia naquele malfado período da nossa história; ou melhor, daquilo que seria formação do lugar e gente que criou Oriximiná. Assim é que José Ubiratan do Rosário[5] afirma que “ ninguém, jamais, poderá inteirar-se da civilização que se recriou na Amazônia sem antes considerar o elenco universal de agonias e glórias do século XVIII…” . Foi nessa época que esteve no cadinho os principais componentes que resultou na gente de agora.

Rosário continua dizendo “… a noção de direito era talvez a mais deplorável de todas as noções que, como elemento cultural, entraram nas duas capitanias lusitanas. No Brasil, Vice-Reino ou dos Vice-Reis praticava-se tudo aquilo que fora condenado pelo Marquês de Beccaria[6]: a tortura durante os interrogatórios, a bola pesada de ferro atada no pé do condenado, tudo isso dentro dos ergástulos escuros onde não penetrava a luz do sol”.

Mas é quanto à formação da gente que nos interessa neste momento, e era nessa época que ocorria a maior tragédia dos povos das florestas, principalmente os índios. Foram dizimadas populações inteiras de nações indígenas, através do uso de bombardeios e fuzilaria das tropas do Rei de Portugal. A ordem era vencer a insurreição pelos chefes rebeldes, principalmente Ajuricaba.

Em 1723, segundo Rosário, o militar português Henrique João Wilkens, escreveu um poema épico denominado A Muhraida, que registra a façanha belicista procurando justificar o genocídio amazônico[7].

A revelação da derrota dos Muhra no Amazonas na literatura, condenava a ferocidade dos guerreiros nativos que resistiam à denominação dos brancos. Diz o escritor Márcio Souza que “quando o remédio do salvacionismo cristão não surtia efeito, a pólvora dos arcabuzes abria uma perspectiva”.[8]

Era essa a terra mãe gentil que viu desaparecer mais de 15 mil índios no rio Urubu, mais 20 mil no alto Amazonas. E no então rio das Trombetas?

É dentro desse processo de descaracterização da cultura primitiva e no entrecruzamento étnico, com o luso gerando macroetnia, que emerge o povo amazônico no extremo norte brasileiro, recriando a civilização que os portugueses transplantaram.[9]

Ainda sobre as regras legais, proibia-se na Amazônia que Marquês de Pombal dava as ordens, o casamento ou mero cruzamento de branco com negro, mas estimulava-se, inclusive com estímulos pelo Estado, o cruzamento de branco com nativa, até premiando-se os casais híbridos que tivesse mais filhos.

E assim, nós temos o cenário que vai se abrir para os novos atores que farão uma peça especial na região entre a cidade de Óbidos e Faro, às margens do rio das Trombetas, na outra foz do Nhumundá.


[1] Gastão Cruls, escritor carioca que acompanhou o Marechal Rondon, em 1925 quando subiu o rio Cuminá, no trabalho de demarcação das fronteiras ao norte do Brasil.

[2] Professora Maria José Bentes Sarubi, no ano de 1969 a 1970, no Grupo Escolar Senador Lameira Bittencourt.

[3] Até o momento este é nome mais antigo que era conhecido o Rio Trombetas. Está grafado num mapa do ano de 1796, onde aparece a região dos Omáguas, Apantos e Cunurizes, na Comissão Brasileira Demarcadora de Limites, Belém, PA.

[4] Apud Peter Paul Hilbert, in A Cerâmica Arqueológica de Oriximiná, 1955, Belém, Pará.

[5] José Ubiratan do Rosário, in Amazônia, Processo Civilizatório e Apogeu do Grão Pará, Belém, 1986, pág. 8

[6] Marquês de Beccaria, filósofo italiano que escreveu Dei delitti e delle Pene, um basta na tortura praticada na época através da moderação das penas (nulla poena sine legi)

[7] Rosário, ob. Cit. Pág. 9

[8] Márcio Souza, in A Expressão Amazonense. Do colonialismo ao neocolonialismo. São Paulo, Alfa-Omega, 1978

[9] José Ubiratan do Rosário, ob. Citada, pág. 124

O grão rebelde

Caco Konduri

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A máquina faz a sangria,

Morde a terra fria,

Revira minério enterrado,

Selvagem ferrado, cotado.

Na esteira deita o rebelde

Resiste aos torrões, empedrado

Assiste aos trovões, tempestade.

Labuta lusa passada,

Faina yankee descapada.

Retorna à luz do sol,

O sangue, a força da terra.

Na esteira rola o rebelde

Na brita, moagem da dor

No céu, aragem, calor…

Rola, leva o quebrado

No ferro, esticado, redondo

Rola nos trilhos, o barulho,

Na terra, plantando, repondo.

Cirúrgica costura da mata,

Nos vagões olham pra trás

Nos lagos, a imagem, o espelho

Os lusos não conseguiram,

As máquinas já extraíram.

Antes, matavam, enterravam,

Agora, desmatam, desterram.

Na última forma do rito,

Levam, lavam as entranhas.

Destroem a força do mito,

Com água, lama tamanha

Secam, retiram a alma

Pecam com toda calma

Atolam regaços sagrados

Imolam espaços legados

Ao navio, subida final,

Última vista parcial

No topo, um ínfimo grão

Rebelde, resvala no chão

Insiste retroceder, quer ver

O verde, a lama, o rio

A esteira impede o gesto

Sacode, treme o resto

Na reta fatal, reconduz

Ao porão escuro, sem luz

Molécula selvagem moída

O grão da terra querida

Desaba na história morrida!

Na eterna mirada do rio…

Após dois anos da súbita morte do Domingos, remanesce o sentimento de carinho e saudade para se concluir com as velhas certezas de que a morte faz parte da vida, da última parte da vida. Depois dela, só restam as homenagens que devem os vivos fazer aos seus mortos, rememorando os feitos e imaginando como seriam suas atitudes nos dias de hoje. Fico a imaginar como esse espírito irrequieto estaria enfrentando hoje a pandemia e suas sequelas, sejam naturais ou humanas. Nada lhe escapava.

Ele era o parceiro da melhor qualidade para afastar o marasmo do cotidiano seja lá de quem fosse. Seu velho pai até hoje vive o silêncio ensurdecido da vida agitada que teve com o filho mais chegado, mais amigo e companheiro da hora. Fita o rio por horas como a prescrutar uma lancha onde o filho estivesse à popa. Uma lágrima irriga a face rugosa no velho rosto ao fim da tarde, após a missa televisada de agradecimento pela alma repentinamente chamada ao Pai. A mãe ainda guarda obsequioso silêncio da partida, sem choro nem vela, nem uma fita amarela, bastando o terço e a missa para acalmar as angústias humanas. O silêncio dos pais talvez seja o grito da maior saudade do filho companheiro, do filho sempre presente, que não pedia nada em troca, que lhes levava aos passeios com alegria, que vivia o dia a dia sem contar com o futuro fatal.

A vida com Domingos era divertida, incessante, intensa e às vezes também perigosa, tanto arteiro que era no trato diário com os seus parentes e achegados. Também os forasteiros e amigos logo sabiam reconhecer um aventureiro e destemido homem dos sete negócios. Fazia e desfazia negócios com a facilidade e certeza das palavras ao vento.

Domingos deve estar a contemplar lá do alto do morro o rio que tanto navegara na bela vida que marcou na sua passagem pela terra. Na fase derradeira da sua vida ele flutuava para cima e para baixo, sempre retornando ao ponto de partida, tão logo cumprida a missão assumida na palavra. Estava sempre disponível para qualquer viagem, fosse por água, terra ou ar, não havendo negacionismo nos seus atos. Ou fazia ou inventava que fazia, mas sempre havia um resultado, no mais tardar uma bela história para contar aos parceiros, sua família que tanto sente sua falta, que ainda não entendeu o vazio deixado naquela fatídica madrugada.

Sendo uma alma vigilante e agitada, achando que essas qualidades são eternas, fico a imaginar o Domingos aprontando mais uma das suas variadas maquinações, bem debaixo da mangueira onde jaz a paz eterna. Deve estar indagando onde andará o pai dele, que tantas preocupações lhe prestou ou quem dos irmãos estaria levando os velhos pais para um belo passeio pelo Trombetas, indo até o Sacuri pegar castanhas?

Alma inquieta, nunca estava conformado! Sempre desafiava a mesmice do dia a dia, inventando um jeito novo para fazer as coisas, ainda que não convencionais para a maioria, mas nunca vi nele um acomodado às vicissitudes da vida moderna. Não é porque partistes que desaparecestes da vida da gente, ao contrário, ficastes mais presente por muito tempo… até que sejam realizadas as exéquias literárias, as derradeiras homenagens daqueles que o seguiram até o túmulo.

Fique em paz meu irmão, enquanto houver letras sob meus dedos escreverei palavras para lembrar sua memória!

Pão e Votos: uma mistura explosiva!

A superdosagem de pão distribuído no circo das últimas eleições não correspondeu ao resultado magro dos votos colhidos, ainda que bastante para funcionar como nitroglicerina na massa social expandida na ignição da bomba programada para os próximos anos. É residual e flui na cidade comentários que não aceitam os resultados presumivelmente esperados, porém nunca trabalhados no binômio que virou moda política no país: fome e desemprego.

        Desemprego e fome ainda serão o material plástico desse artefato humano que insiste em não manter calados os inúmeros indivíduos que procuram Oriximiná e arredores para saciar e aplacar tais necessidades, reconhecidas por lideranças empresariais que não conseguem sensibilizar os políticos na busca da ação planificadora com a respectiva destinação de verbas públicas para investimentos inadiáveis.

        No outro lado do rio, a trombeta vibra diariamente para sinalizar o perigo da distribuição de pão sem vinho; da festa sem combustível; das gentes sem ideologia, sem motivação, sem futuro! Na banda de cá, margeiam os pássaros políticos palreando a canção ufanista do sagrado bom destino: não há falar em desgraça enquanto houver bauxita! E haja royallties!!!

        Fechando o zoom da lente social, a maior empresa do município não bateia o associativismo como pérola rara de seu garimpo, nem como semi-preciosa na lavra diária. Ainda dormitam nas gavetas da instituição promessas de filiação e ajuda logística para o teimoso empresariado local. No caminho para as duas décadas a cada ano se renovam as esperanças de desarme dessa bombástica situação de enclave econômico no meio da mata de castanhais. Na urbe não se ouvem os gritos animalescos das máquinas, nem os berros maquiavélicos dos animais;  muito menos as reivindicações ribeirinhas dos expulsos das terras e arredores das minas.

        Desses só se ouviu o brado na reunião social do embate pelo mandamento constitucional dos estudos ambientais tão bons e excelentes para a mineradora que ela mesma planeja, faz e fiscaliza, dando uma banana verde aos ambientalistas e amarela aos acionistas. Não perguntem a ninguém o resultado da ação minimizadora dos impactos nas gentes do Sapucuá, balão de ensaio de tentativas agrárias distorcidas, berço fermentador daquela litigiosidade contida que os juristas expressam para uma região potencialmente explosiva.  Isso é a interação capital x trabalho no início do terceiro milênio, ou como já hodiernamente aceito, o choque do real na era Lula.

        Diógenesmente procurada com lanterna nos vários discursos proferidos na última distribuição do pão eleitoral não se viu uma letra sobre a quebra do isolamento bi-lateral de Porto Trombetas-Oriximiná, nem promessas de integração distrito-sede, ficando eles mesmos mais próximos as Minas Gerais com saída aberta pelos céus amazônicos. Pelo rio agora minado de “pedaços de ferro de bubuia”, como diria o velho Balduíno, as gentes se bandeiam noite à dentro, desinformados, argolados e esfomeados como são os eleitores do “Fome Zero”. Qual o barco no escuro não sabem se vão chegar em porto seguro, na praia, no casco do navio …

        Por justiça, há que se reparar o diagnóstico apressado e reconhecer um gesto raro nessa relação muda dos lados trombetanos, quase inaudível, porém sinalizador de rumos, ainda que distante. Que o PDF não voe como a “andorinha do verão”, e venha acompanhado de mais ações efetivas para que não seja visto como a parábola do semeador na leitura de Pe. Vieira, jesuíta de marca maior, intérprete das mazelas humanas contaminadoras das boas ações dos governantes religiosos e seculares.

        Lá se discute a razão das árvores não produzirem os frutos esperados, posto que lançadas sementes na boa terra de nada se tem garantido os frutos; ou da inabilidade dos semeadores que deitaram-nas sobre os espinhos, em solo infértil etc. . Aqui, ainda se buscam as hábeis vozes para comandar os semeadores, talvez as boas sementes para o solo adequado, ou mesmo a boa vontade e responsabilidade das lideranças. É humana a escolha que encerra o futuro da região e arredores, mas técnica e planificada devem ser suas bases em cada núcleo, com reuniões mensais de agenda positiva para tratar as questões de lado a lado.

        Não se duvide da técnica! Ela sempre é mensurável nos resultados e, portanto, aferível e pode-se quase sempre mudá-la. A questão vai para os homens-semeadores, os homens-solo, os homens-espinhos, toda a raça com suas diversidades… Nestas áreas é que devem se ajustar os focos sociais das ações do combate à fome e ao desemprego, criando os mutirões empresariais, as ligas de trabalhadores cotizados para dar gêneros alimentícios todo mês aos seus irmãos carentes aí mesmo da região.

Também política é a ação de informação via educação; do conhecimento via cidadão que age no seu espaço social agrupando afinidades, coincidindo e convergindo intenções de fazer. Nessas atitudes está o fatal fio vermelho para ser cortado pelo alicate da cidadania, livrando nossas gentes da grande explosão.

O que é trombetinidade

O interesse e afeto pelo lugar denominado chapada dos Uaracis, Mura- Tapera, Uruatapera, Uradimina, Uraxamina até chegar a Oriximiná molda a pele e colmata os sentimentos dos trombetinos vazados às margens do Trombetas, os filhos de Oriximiná. 

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Alma trombetina

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Que não me venham reclamar as almas passadas 

Que partiram antes de serem batizadas !

Não me deste o rumo infinito, paulatino

Não me pedes forasteiro, desatino,

És do barro, és forte, tens alma cabotino!

De novo nadas nas plúmbeas águas trombetinas

Ainda ecoa nas margens o grito da gentilidade

A gemas guardam a verve firme, brilhantinas

Acolhem a vida com natural trombetinidade!

Às nossas gentes, vem logo as novas luas 

Seja do interior, do mato feio ou das ruas

De longe veio o estrangeiro pra cidade 

De novo vem a natural urbanidade 

Assim de longe e perto, a humanidade 

Recebe e entrega a livre trombetinidade!

Escreva assim no livro de todos os lugares

Acolhe as falas do novato em nossos lares

Seja no bar, com a cachaça ou na cerveja

A fala brota com extrema naturalidade 

O espírito guia a leal trombetinidade!

Na despedida derradeira desta bela terra

Não digas nada sob o risco de quem erra

Apenas sinta e expresse toda a sagacidade 

Agradeça sempre e ame a trombetinidade!

João Bosco conta Oriximiná[1]

Nicodemos Sena *

 “Que ninguém desconheça de onde veio e para onde vai, pois não existe futuro sem passado, porque a História é assim: água da fonte, rio e mar”, assim escreveu Cléo Bernardo, em “O Liberal” de 14 de abril de 1974, por ocasião do falecimento de Paulo Rodrigues dos Santos, autor de “Tupaiulândia” (1971), livro pioneiro e até hoje o melhor sobre a história de Santarém. 


        Que belo exemplo nos deu Paulo Rodrigues dos Santos! Pouca gente tem amado a terra natal, a natureza e o povo, como ele amou! Sozinho, sem apoio oficial, realizou um trabalho gigantesco de reconstituição do passado, reativando nossa memória embotada por seculos de dominação. Antes de “Tupaiulândia”, alguém até poderia apaixonar-se por Santarém, depois de andar por suas ruas ou banhar em suas praias; difícil, todavia, seria amá-la, pois não se pode amar algo cuja história se desconhece. Paulo Rodrigues dos Santos amou e ensinou-nos amar a terra onde nascemos. O seu exemplo, felizmente, irradia-se pelos rincões do Grande Vale. É uma alegria presenciar outros filhos do oeste, legítimos amazônidas, enveredarem pelo mesmo caminho trilhado por Paulo Rodrigues dos Santos.

 
        João Bosco Almeida, advogado e articulista de “O Estado do Tapajós”, que acaba de lançar o livro “Kondurilândia”, numa longa, difícil mas apaixonante viagem, como o caçador que se embrenha na floresta intrincada, enfiou-se pelo labirinto de lendas, mitos e “histórias” de Uraxamina (ou Uradimina, ou Oriximiná, como hoje é conhecida a “Pérola do Trombetas”), de onde retornou trazendo nos dentes o passado do seu povo, que se havia extraviado nos mil dédalos do tempo. 


        Não há como evitar a comparação entre “Kondurilândia”, do oriximinaense João Bosco Almeida, e “Tupailândia”, do santareno Paulo Rodrigues dos Santos. Se na gênese da “Pérola do Tapajós” Paulo Rodrigues dos Santos localizou a tribo dos tupaius (ou tapajós), João Bosco Almeida encontrou os konduris na origem de Oriximiná. 


        Nas veias de todos nós corre o nobre sangue tupi. Tanto num como noutro livro, buscam-se no passado os elementos que permitam compreeder o presente, a fim de que se possa construir o futuro. Cada livro, todavia, traz a marca e as limitações do seu tempo. 


        “Tupaiulândia” é um invejável repositório de reminiscências tapajônicas, que o autor reuniu na quietude de uma sociedade pacata e estagnada, que era a Santarém de antes da estrada Cuiabá-Santarém (1970). Terra do sem-fim, o berço de Paulo Rodrigues dos Santos e meu não passava então de um pontinho no mapa do Brasil, submetido ao esquecimento das metrópoles (Belém, Rio de Janeiro ou Brasília). Se escrito hoje, “Tupaiulândia” sairia diferente. O passado, se visto a partir de uma sociedade mais democrática, ainda que não menos injusta, como é a nossa, ganharia outro significado. A sujeição e o abandono que continuamos padecendo teriam outra leitura. E é justamente essa nova leitura que João Bosco Almeida faz em “Kondurilândia”. Ele não apenas descreve os problemas de Oriximiná, como denuncia desmandos cometidos em toda a Amazônia, e também propõe soluções (por exemplo, a criação do MERCOTROM-Mercado Comum para o Trombetas). “Kondurilândia” pode ser lido como aquele capítulo que Paulo Rodrigues dos Santos teria escrito no “Tupaiulândia”, se não tivesse falecido em 1974. Pois, na Amazônia, a história de um é a história de todos, e só juntos conseguiremos realizar plenamente o nosso destino. A criação de nova unidade federativa, como o Estado do Tapajós, só se justifica se objetivar o fortalecimento da Amazônia como um todo. 


        As várias “histórias” do oeste do Pará ainda não foram todas escritas. “Tupaiulândia” e “Kondurilândia” são dois capítulos do mesmo grande e trágico livro que conta as injustiças praticadas contra índios, negros e caboclos e a luta destes excluídos (até aqui inglória) contra seus algozes de fora e os da própria região. 


        Escrito com emoção e razão, num estilo vigoroso e preciso (apesar das falhas de revisão), “Kondurilândia” já integra a melhor estante de temática amazônica. João Bosco Almeida não se perde em reminiscências; o passado não entra em seu livro como matéria morta e mumificada, como faz a historiografia oficial. “Kondurilândia” conduz à reflexão e exige-nos uma tomada consciente de posição, nesse digladiar de forças desiguais que se desenrola na arena de sombra e luz da Amazônia. Da atitude de cada um de nós dependerá o futuro da região. 
(Artigo publicado no jornal O Estado do Tapajós, em 17.07.01)


[1] Primeira critica publicada sobre o Livro Kondurilândia, de João Bosco Almeida

MERCOTROM – Integrar para não ver navio passar

O espírito irrequieto dos Konduris sopra o vento hamelletiano para por em xeque a estratégia política de Oriximiná e seus arredores, na egoística e suicida política de desenvolvimento isolado, ignorando a vizinhança, quase sempre ofuscada pelos efêmeros recursos de um subsolo que se esgota.

A região do Trombetas sustenta com suas entranhas a 4ª maior empresa paraense que desenvolve suas atividades em Porto Trombetas de costas para seus pacatos hospedeiros, que não conseguem fechar contratos comerciais regulares, porque diante de seu pequeno balcão, nem se habilitam no emaranhado de exigências nas licitações.

Com uma gestão otimizada para o lucro, a Mineração Rio do Norte – MRN, não pode cuidar da pobreza que atraiu no passado e fomenta no presente, posto que de somenos importância nas sua gestão e visão empresarial, dando-se ao luxo de enterrar, literalmente, recursos florestais da ordem de R$ 80mil mensais, retirados no processo de decapagem florestal da ordem de 20 hectares por mês. Tudo isso porque seu principal negócio é extrair e processar a bauxita, e a floresta está lá atrapalhando.

Daí porque, não há muita cerimônia em fazer desaparecer como adubo a grande obra da natureza que é uma árvore.

De Juruti a Monte Alegre, pelo menos, há um arco de pobreza e miséria estendido pela ineficiência de fazer a MRN praticar critérios de cidadania e responsabilidade pública para com a vizinhança, com a flecha da insegurança no futuro apontada para o desastre que aconteceu na região aurífera do Tapajós, poucos anos atrás, e no buraco lunar que ficou no Amapá, poucas décadas passadas.

Limitados por fatores técnicos de concorrência empresarial, observa-se a inexistência de nenhuma empresa desses oito municípios vizinhos no fornecimento regular de quaisquer que sejam os produtos, até mesmo do setor primário. Há sempre o critério da continuidade do fornecimento que se esgota na capacidade de se auto-organizar os empresariado, as lideranças políticas etc. . .

Assim, fadados às migalhas dos repasses tributários, nada há mais para fomentar o investimento regional, além das míseras participações tributárias, e outras não menos ínfimas verbas de projetos especiais do governo estadual. Não há políticas públicas definidas para a área que contemplem a continuação das atividades produtivas, talvez porque não haveria representatividade parlamentar eficiente para tanto; Talvez porque não haveria voz suficiente para gritar o grito da região, que está quase acostumada a ver o navio passar, seja em Juruti, seja em Oriximiná, seja em Óbidos, Curuá ou Monte Alegre…Eis que nem todas as folhas da florestas foram queimadas…. há que renascer sempre a necessidade como mãe das invenções.

Nesse sentido, Oriximiná, ora a base principal das receitas excedentes dos impostos, poderia liderar uma gestão empresarial, via poder público, para que se organize, passo a passo, um grande mercado na área de influência da MRN. Algo como o Mercado Comum para o Trombetas – MERCOTROM, no sentido de se criar protocolos e gestão empresarial para exigir uma negociação em bloco com a MRN com vistas a capacitação das empresas de cada município de acordo com cada vocação de produção que tiver.

O diferencial financeiro excedente de Oriximiná poderia financiar tal agrupamento de interesses comerciais que apoiados pelos órgãos de capacitação como SEBRAE e Associações Comerciais, motivassem os empresários desses municípios a participarem com vigor na tentativa de absorver, pelo menos 10% das centenas de milhões de dólares que estão sendo investidos nos próximos dois anos.

Para fazer é só começar…

(artigo do advogado João Bosco Almeida, publicado na revista virtual www.belemdopara.com.br  em 04.12.2000)